A massa polar atlântica vai durar até terça-feira, e então acontece o solstício de verão - eu sei por causa da Geografia e do calendário que está sempre em cima da mesa. Até agora não deram permissão pro céu voltar ao azul original dele. Azul, assim, igual os olhos com pés-de-galinha do bisavô.
O biso às vezes roncava alto e nunca reclamava das coisas, vivia me esperando na porta com aquele sorriso tão e tão lindo no rosto (sorriso bonito de índio que nunca usou dentadura), os óculos na ponta do nariz, o cabelo com quase todos os fios brancos e macio que mais parecia algodão, e gostava de cafuné. Ia levando consigo a idade com número grande, andava arrastando os pés, um passinho lento, e um rádio pequeno na mão, frágil igual a ele.
E a bisa sempre muito ajeitada e perfumada, sentava-se no sofá e pedia que escovassem seu cabelo, que não era comprido, era bem curtinho. E eu o fazia, mesmo quando ela não pedia, porque eu gostava de ficar perto dela. Ela era linda, bordava toalhinhas e fazia casacos de lã para a família, e reunia a gente no Natal e no Ano-Novo.
Quando a bisa ficou muito doente e morreu eu gritei de tristeza, ecoou pelo apartamento que eu morava e sei que fez eco até o Parque de Exposições, de tão triste que era. Eu imaginava as pessoas que morreram caminhando por nuvens em chamas, porque a tia Odete me disse, quando eu perguntei do tio Otomar, que ele era bombeiro e que foi resolver alguns problemas no céu. Não entendia direito esse negócio de morrer, só sabia que ela não ficaria mais comigo; e sabia que era triste, porque quando o biso escutava a oração no rádio, ele chorava de saudade como quando a gente chora se perde um amor.
Eu e o biso sentávamos pra assistir Chaves e Chapolin na TV, ficávamos abraçados a tarde inteira, dando risadas bem juntinhos, a barriga de um tremendo encostada na barriga do outro, que também tremia. Quando o dia escurecia ele colocava no canal que passava as notícias e dava "boa noite" pro apresentador. Nos intervalos ele prestava atenção no sorteio do carnê que pagava fielmente, uma vez até xingou o moço de "mentiroso" porque ele falava que "hoje pode ser o seu dia de sorte!", mas o dia de sorte do biso nunca chegava.
Quando o biso morreu eu já começava a entender esse negócio de dizer adeus. Os bens foram partilhados entre filhos e netos, na minha casa veio parar a mesa grande das jantas festivas, alguns cobertores e um guarda-roupas, e o cheiro de naftalina tirou disso tudo o cheiro do biso e da bisa.
Mas quando eu passo a mão no meu cabelo e sinto a mesma textura do cabelo deles, quando às vezes abro o potinho que tem o cheiro da bisa, quando caminho de chinelos pela casa e eles fazem os barulhos que o biso fazia quando caminhava, sei que eles nunca me deixaram, sei que eles não estão mais no mundo, mas estão em mim.
16.12.10
6.11.10
Quinta-feira
Eu virei a esquina e ele estava lá, parado. Os cabelos lisos escorridos caindo pelo rosto até o queixo, sujos como as ruas que eram sua casa. Os braços agarrados ao próprio corpo, a cabeça vacilante, tombando por causa do excesso de álcool. A garrafa de plástico ainda com o preço - em adesivo amarelo - rolou até o meio-fio e caiu na rua, o pouco barulho já o deixou desperto e ele me viu.
Com os olhos ainda fixos em mim, tirou do bolso um cigarro e o acendeu, soprou ao ar a fumaça cinza que tomou formatos fantasmagóricos, e deu aquele sorriso que se dá quando a pessoa sabe que encontrou o que procurava. Minha espinha dorsal contorceu-se em um arrepio de medo, acelerei o passo, e gritei internamente ao perceber que ele me seguia.
Meu joelho machucado começou a latejar de dor, e eu já não sabia por onde ir, tudo me parecia confuso. Eu tentava em vão descobrir o motivo daquilo. Sem pensar direito, parei bruscamente e me virei.
Encarava agora olhos cinzas muito vazios e sentia minha cintura sendo segurada firmemente por mãos que ferviam, e o estranho novamente sorriu. E disse, muito calmo e seguro, com seu bafo de bebida barata, qualquer coisa que eu não quis ouvir. E depois me entregou uma folha com anotações que me pareceram inúteis, esperou minha reação, atencioso, e logo percebi sua decepção em saber que eu não o desejava comigo. Estupidamente, tirou a folha de minhas mãos e correu, tonteando, para longe, até sumir.
Com os olhos ainda fixos em mim, tirou do bolso um cigarro e o acendeu, soprou ao ar a fumaça cinza que tomou formatos fantasmagóricos, e deu aquele sorriso que se dá quando a pessoa sabe que encontrou o que procurava. Minha espinha dorsal contorceu-se em um arrepio de medo, acelerei o passo, e gritei internamente ao perceber que ele me seguia.
Meu joelho machucado começou a latejar de dor, e eu já não sabia por onde ir, tudo me parecia confuso. Eu tentava em vão descobrir o motivo daquilo. Sem pensar direito, parei bruscamente e me virei.
Encarava agora olhos cinzas muito vazios e sentia minha cintura sendo segurada firmemente por mãos que ferviam, e o estranho novamente sorriu. E disse, muito calmo e seguro, com seu bafo de bebida barata, qualquer coisa que eu não quis ouvir. E depois me entregou uma folha com anotações que me pareceram inúteis, esperou minha reação, atencioso, e logo percebi sua decepção em saber que eu não o desejava comigo. Estupidamente, tirou a folha de minhas mãos e correu, tonteando, para longe, até sumir.
7.10.10
Carro-céu
Daqui eu vejo pequenos meteoros desenhados no asfalto pelo derivado fóssil. São todos multicoloridos, e vêm descrevendo um movimento muito reto em minha direção. Mais adiante é o momento dos picotes de papel tomarem conta da rua ainda muito úmida depois do temporal da manhã, e um raio de sol reflete no vidro sujo do prédio de tijolos.
Depois da ponte que tem acima do rio seco, vejo meus primos brincando com as algas trazidas da praia que só conheço pelo mapa. Os dedos deles ficam salgados e eles lambem o sal de tal maneira que é como se mergulhassem na parte mais profunda do mar. Seus sorrisos afastam de mim a aleatória vontade que tenho de fugir para qualquer lugar com meus jeans usados, e minha cabeça acompanha o vai-e-vem do balanço agora deixado para outra hora, substituído pelo lanche da tarde, com quitutes de nossa avó.
E o céu agora é rosa-vermelho-laranja, e apesar de estar um pouco apertado aqui dentro do ônibus eu continuo sorrindo e olhando pra cima.
Depois da ponte que tem acima do rio seco, vejo meus primos brincando com as algas trazidas da praia que só conheço pelo mapa. Os dedos deles ficam salgados e eles lambem o sal de tal maneira que é como se mergulhassem na parte mais profunda do mar. Seus sorrisos afastam de mim a aleatória vontade que tenho de fugir para qualquer lugar com meus jeans usados, e minha cabeça acompanha o vai-e-vem do balanço agora deixado para outra hora, substituído pelo lanche da tarde, com quitutes de nossa avó.
E o céu agora é rosa-vermelho-laranja, e apesar de estar um pouco apertado aqui dentro do ônibus eu continuo sorrindo e olhando pra cima.
2.9.10
Doce
Cheguei antes que ela por aqui. Durante algum tempo fiquei apenas deitada, escutando as músicas que se formavam ao meu redor, o tilintar dos talheres, a mastigação de remédios, os choros de alegria e dor. Duas semanas e ela apareceu, fazendo alguma coisa mudar em mim. Não tinha mais do que 6 anos, e durante alguns dias recusou-se a comer e a conversar com os outros. Mas não demorou, e ela já nos desenhava, principalmente eu, sempre com aquele vestido azul e o cabelo embalado pela brisa -ela sabia que eu gostava do vento-, e um sorriso. Só isso, sem olhos, sem nariz, sem orelhas, sem muitos detalhes. Eu saberia depois: ela me amava, e me queria assim: sorrindo.
Era linda, essa menina. Era uma princesa, gentil e educada. Sorria para todos, mesmo que muitos a olhassem com pena e com receio de aproximação, por sua imagem não seguir as regras irracionais que estabeleceram como o que é belo. Visitava a biblioteca à noite comigo, quando fugíamos das enfermeiras, e nos perdíamos por entre folhas e folhas com cheiro de imaginação, durante horas. E então ela dormia encaixada perfeitamente em meus braços, e eu a levava de volta para seu quarto. Quando chovia, ela vinha para mim e ficava ainda mais perto, porque tinha medo de trovões. Eu não me importava com meteorologia, porque ela era meu sol.
Uma vez, depois de sair da "salinha da tristeza", ela contou-me que não sabia porque aquilo acontecia com ela. Porque ela precisava ficar entre tantas máquinas, e depois sair de lá com a pior dor do mundo, e porque seu cabelo caía conforme o tempo passava e a dor aumentava. Ela não sabia porque tudo aquilo deixava sua pele com uma cor que ela não conhecia, porque não tinha na sua caixinha de lápis.
Certa noite abri meus olhos e a vi parada ali, junto a meu leito. Ela sorria pra mim, e em suas mãos tinha a velha boneca que carregava consigo desde o primeiro dia no hospital. Entregou-me o brinquedo e disse que iriam visitá-la, que ela iria embora naquela noite. Eu estava sonolenta e não entendi bem, lembro de seus braços pequenos e magros ao redor de meu pescoço e o perfume que invadia minhas sensações. Ela puxou minhas mãos para perto de si, depois acariciou meu rosto. Docemente, repetiu o que eu sempre dizia pra ela: "Esperarei o dia nascer pra te ver de novo, mas, até lá, sentirei sua falta. Te amo, passarinho azul".
E saiu do quarto, enquanto eu adormecia outra vez, abraçada em sua boneca.
Era linda, essa menina. Era uma princesa, gentil e educada. Sorria para todos, mesmo que muitos a olhassem com pena e com receio de aproximação, por sua imagem não seguir as regras irracionais que estabeleceram como o que é belo. Visitava a biblioteca à noite comigo, quando fugíamos das enfermeiras, e nos perdíamos por entre folhas e folhas com cheiro de imaginação, durante horas. E então ela dormia encaixada perfeitamente em meus braços, e eu a levava de volta para seu quarto. Quando chovia, ela vinha para mim e ficava ainda mais perto, porque tinha medo de trovões. Eu não me importava com meteorologia, porque ela era meu sol.
Uma vez, depois de sair da "salinha da tristeza", ela contou-me que não sabia porque aquilo acontecia com ela. Porque ela precisava ficar entre tantas máquinas, e depois sair de lá com a pior dor do mundo, e porque seu cabelo caía conforme o tempo passava e a dor aumentava. Ela não sabia porque tudo aquilo deixava sua pele com uma cor que ela não conhecia, porque não tinha na sua caixinha de lápis.
Certa noite abri meus olhos e a vi parada ali, junto a meu leito. Ela sorria pra mim, e em suas mãos tinha a velha boneca que carregava consigo desde o primeiro dia no hospital. Entregou-me o brinquedo e disse que iriam visitá-la, que ela iria embora naquela noite. Eu estava sonolenta e não entendi bem, lembro de seus braços pequenos e magros ao redor de meu pescoço e o perfume que invadia minhas sensações. Ela puxou minhas mãos para perto de si, depois acariciou meu rosto. Docemente, repetiu o que eu sempre dizia pra ela: "Esperarei o dia nascer pra te ver de novo, mas, até lá, sentirei sua falta. Te amo, passarinho azul".
E saiu do quarto, enquanto eu adormecia outra vez, abraçada em sua boneca.
22.8.10
Arco-do-cupido*
Te olhei e tu me olhavas, e mexias os lábios
E nada saía de tua boca, eu não escutava
Me aproximei de ti, e te olhei de perto
E de perto mais lindo ainda parecias
Quis teu braço direito em minha órbita
De leve senti tua pele e teu calor
Juntando panturrilhas e canelas com frio
Enchi meus sentidos todos e memórias todas
Com cada gesto e milímetros de teu sor-riso infantil
Te quis bem mais, e muito mais
Além da noite do dia de Saturno
Mas tudo que tu fazias era me olhar e me olhar
Mas me olhar bem de longe, e mexer os lábios.
*A parte côncava acima da boca chama-se arco-do-cupido.
E nada saía de tua boca, eu não escutava
Me aproximei de ti, e te olhei de perto
E de perto mais lindo ainda parecias
Quis teu braço direito em minha órbita
De leve senti tua pele e teu calor
Juntando panturrilhas e canelas com frio
Enchi meus sentidos todos e memórias todas
Com cada gesto e milímetros de teu sor-riso infantil
Te quis bem mais, e muito mais
Além da noite do dia de Saturno
Mas tudo que tu fazias era me olhar e me olhar
Mas me olhar bem de longe, e mexer os lábios.
*A parte côncava acima da boca chama-se arco-do-cupido.
11.8.10
Da paz
Eu pego meu violão preto e empoeirado e com as cordas estourando, e me tranco no quarto todos os dias antes de dormir, e ensaio e ensaio todas as músicas que eu gostaria que tu escutasses, vindas de mim. E deito e durmo, e mesmo quando não acordo sorrindo, ou quando o frio vem abraçar-me de um jeito mais apertado, sei que o dia será bom, porque eu o faço assim.
E chego e converso com as cortinas vermelho-sangue da sala, e olho pra fora e ainda vejo as pipas lá em cima do morro, e tenho que contar pra ti que outro dia escutei tiros. Já quase dormia, mas os escutei, e foram muitos. E os senti todos, em partes diferentes de meu corpo, mesmo não sendo eu a pessoa que eles atingiam.
E eu tive medo pelas crianças cujos pais e cujas mães podem morrer pelas armas de quem manda, e me lembrei daquela que desenhou-me um anjinho e escreveu-me uma carta um dia. E tive medo de voltar e ela não estar mais lá, dela ter ido embora sem saber o quanto sempre a quis por perto.
Então eu peguei meu violão e tranquei-me no quarto, pra tocar músicas de ninar pra ela, mesmo ela estando tão longe. E ela ouviu, porque apareceu em meus sonhos, disse-me que eu era bonita, enroscou-se em meus cabelos, cantou pra mim e adormeceu.
E chego e converso com as cortinas vermelho-sangue da sala, e olho pra fora e ainda vejo as pipas lá em cima do morro, e tenho que contar pra ti que outro dia escutei tiros. Já quase dormia, mas os escutei, e foram muitos. E os senti todos, em partes diferentes de meu corpo, mesmo não sendo eu a pessoa que eles atingiam.
E eu tive medo pelas crianças cujos pais e cujas mães podem morrer pelas armas de quem manda, e me lembrei daquela que desenhou-me um anjinho e escreveu-me uma carta um dia. E tive medo de voltar e ela não estar mais lá, dela ter ido embora sem saber o quanto sempre a quis por perto.
Então eu peguei meu violão e tranquei-me no quarto, pra tocar músicas de ninar pra ela, mesmo ela estando tão longe. E ela ouviu, porque apareceu em meus sonhos, disse-me que eu era bonita, enroscou-se em meus cabelos, cantou pra mim e adormeceu.
3.7.10
Brilhante
Caminhei por algumas estradas iguais a essa. Tropecei e caí algumas vezes, outras tantas me derrubaram, mas nunca deixei de levantar e olhar pra frente, porque eu veria uma estrada ainda longa, toda ela feita pra eu percorrer.
Eu vi milhares de luzes. Elas me ajudaram a continuar quando quis parar, e brilharam menos quando esqueci de coisas que realmente são importantes. Muitas enganaram-me, aparentando brilhar mais do que realmente brilhavam.
Em alguma curva essa estrada que percorro agora encontrou com a tua. E eu tenho que dizer, a luz que tu lanças sobre minha estrada é indescritivelmente bonita e apaixonante. Faz-me querer ser tão benéfica pra ti quanto tu és pra mim.
E eu continuo olhando pra frente, vendo a minha estrada. Mas também olho pro lado e, mesmo quando o céu acima de nossas cabeças está trovejando ou quando a distância entre nós parece querer levar-te pra longe do meu campo de visão, faz-me feliz ver-te ali. Muito feliz mesmo.
Eu vi milhares de luzes. Elas me ajudaram a continuar quando quis parar, e brilharam menos quando esqueci de coisas que realmente são importantes. Muitas enganaram-me, aparentando brilhar mais do que realmente brilhavam.
Em alguma curva essa estrada que percorro agora encontrou com a tua. E eu tenho que dizer, a luz que tu lanças sobre minha estrada é indescritivelmente bonita e apaixonante. Faz-me querer ser tão benéfica pra ti quanto tu és pra mim.
E eu continuo olhando pra frente, vendo a minha estrada. Mas também olho pro lado e, mesmo quando o céu acima de nossas cabeças está trovejando ou quando a distância entre nós parece querer levar-te pra longe do meu campo de visão, faz-me feliz ver-te ali. Muito feliz mesmo.
12.6.10
Adeus, infância
O cheiro de sangue entrava por minhas narinas e deixava-me enjoada. Nunca estive tão perto da sensação de morte quanto agora. Enquanto os enfermeiros da ambulância colocavam os corpos dentro do automóvel, as últimas três horas passavam como um flashback em minha cabeça.
Era madrugada e eu, como de costume, estava deitada na sacada de meu quarto, olhando as estrelas. Um raio de luz tirou-me de meus devaneios, eram os faróis de algum carro que vinha pela rua. Parou defronte a minha casa e buzinou duas vezes. Do fim da rua – que é sem saída – veio um vulto branco, e do carro saíram algumas pessoas que riam, um pouco embriagadas. O grupo calou-se quando o vulto branco chegou: era uma mulher, alta, cabelos curtos e ruivos que lhe caíam sobre os olhos. Balbuciou alguma coisa que não entendi, e prontamente abriram o porta-malas. De lá, saíram duas crianças abraçadas com ursinhos esfarrapados. Tão logo saíram, levaram, cada uma, um corte profundo em cada braço e, antes mesmo de chorarem, levaram um tiro que despedaçou-lhes os miolos.
O grupo entrou no carro e foi embora sem fazer barulho. O vulto branco ficou parado na rua até que o carro virasse a esquina. Tive a impressão de que os olhos dela dirigiram-se a mim, de revesgueio, e senti meu corpo gelar. Ela seguiu ao fim da rua e sumiu. Chamei a polícia, e agora estou aqui depondo. Vejo os ursinhos das crianças mergulhados em sangue e pedaços de cérebro e ossos. Sinto-me infinitamente mal por não poder ter feito nada.
Antes de descer até aqui, deitei-me por mais alguns instantes na sacada, e olhei as estrelas. Elas brilhavam vermelho, refletindo o crime, a morte, a falta de compaixão... O sangue espalhado pelo ar.
Era madrugada e eu, como de costume, estava deitada na sacada de meu quarto, olhando as estrelas. Um raio de luz tirou-me de meus devaneios, eram os faróis de algum carro que vinha pela rua. Parou defronte a minha casa e buzinou duas vezes. Do fim da rua – que é sem saída – veio um vulto branco, e do carro saíram algumas pessoas que riam, um pouco embriagadas. O grupo calou-se quando o vulto branco chegou: era uma mulher, alta, cabelos curtos e ruivos que lhe caíam sobre os olhos. Balbuciou alguma coisa que não entendi, e prontamente abriram o porta-malas. De lá, saíram duas crianças abraçadas com ursinhos esfarrapados. Tão logo saíram, levaram, cada uma, um corte profundo em cada braço e, antes mesmo de chorarem, levaram um tiro que despedaçou-lhes os miolos.
O grupo entrou no carro e foi embora sem fazer barulho. O vulto branco ficou parado na rua até que o carro virasse a esquina. Tive a impressão de que os olhos dela dirigiram-se a mim, de revesgueio, e senti meu corpo gelar. Ela seguiu ao fim da rua e sumiu. Chamei a polícia, e agora estou aqui depondo. Vejo os ursinhos das crianças mergulhados em sangue e pedaços de cérebro e ossos. Sinto-me infinitamente mal por não poder ter feito nada.
Antes de descer até aqui, deitei-me por mais alguns instantes na sacada, e olhei as estrelas. Elas brilhavam vermelho, refletindo o crime, a morte, a falta de compaixão... O sangue espalhado pelo ar.
20.5.10
Gritei calada
Foi terrível. O lugar por si só já era macabro: um beco escuro, mal-iluminado, com lixo espalhado pelos cantos. Não sei por qual motivo meu cachorro fugiu e escondeu-se lá, mas o que vi deixou-me chocada.
Estranhei quando vi aquele grupo de homens encapuzados entrando lá, arrastando consigo uma mulher que gritava o porquê daquilo estar acontecendo, e porque ela foi escolhida, e segui-os. A jogaram no chão e ela chorava baixinho. Eu, imóvel e impotente, observava tudo detrás da lata de lixo.
Os seis homens tiraram seus capuzes, e o medo e a surpresa instalaram-se predominantes nos olhos da vítima. Eu senti medo por ela, e ainda mais quando a luz vacilante do poste refletiu na adaga que saiu do bolso de quem parecia ser o chefe do grupo. Ele era alto, forte, seus cabelos louros e seus olhos escuros – quase negros – jamais sairão de minhas piores lembranças.
Minha curiosidade levou-me à cena de um crime: uma jugular cortada, sangue pelo chão, lágrimas nos olhos da morta. A sensação de satisfação do grupo era explícita, eles até sorriam. Assim que foram embora, fui até o cadáver, que agora esfriava, sem vida. Me senti invasiva, mas remexi em seus bolsos, e encontrei uma flor, junto a um bilhete, que dizia: “Sinta o perfume desta flor pela última vez. Você traiu a seita e será executada”. No fim do bilhete, um carimbo com as iniciais LF.
Tenho medo até hoje de ser descoberta. Mas vim dar meu depoimento, não aguento carregar uma alma em meus ombros.
Estranhei quando vi aquele grupo de homens encapuzados entrando lá, arrastando consigo uma mulher que gritava o porquê daquilo estar acontecendo, e porque ela foi escolhida, e segui-os. A jogaram no chão e ela chorava baixinho. Eu, imóvel e impotente, observava tudo detrás da lata de lixo.
Os seis homens tiraram seus capuzes, e o medo e a surpresa instalaram-se predominantes nos olhos da vítima. Eu senti medo por ela, e ainda mais quando a luz vacilante do poste refletiu na adaga que saiu do bolso de quem parecia ser o chefe do grupo. Ele era alto, forte, seus cabelos louros e seus olhos escuros – quase negros – jamais sairão de minhas piores lembranças.
Minha curiosidade levou-me à cena de um crime: uma jugular cortada, sangue pelo chão, lágrimas nos olhos da morta. A sensação de satisfação do grupo era explícita, eles até sorriam. Assim que foram embora, fui até o cadáver, que agora esfriava, sem vida. Me senti invasiva, mas remexi em seus bolsos, e encontrei uma flor, junto a um bilhete, que dizia: “Sinta o perfume desta flor pela última vez. Você traiu a seita e será executada”. No fim do bilhete, um carimbo com as iniciais LF.
Tenho medo até hoje de ser descoberta. Mas vim dar meu depoimento, não aguento carregar uma alma em meus ombros.
8.5.10
Coração do Morte
-Sabia que eu nunca acreditei? - ela disse. Eu fiquei ali, quieto, sentado junto a ela, abraçando seu corpo fraco e que já esfriava. -Nunca acreditei nessa história toda de que chegarias tão cedo pra mim. Mas chegaste, e eu não percebi. E és muito diferente do que dizem por aí e...
-Eu sei - interrompi-a.
Ela fitou-me com aqueles olhos castanhos muito grandes, que engoliam tudo o que viam pela frente. Olhos gulosos de curiosidade. Abriu a boca para falar-me mais alguma coisa, mas desistiu.
-Sei o que dizem de mim. - continuei. -Sei que mentem sobre a minha aparência, em todo lugar, e até inventaram aquela história de manto para que já não precisassem preocupar-se com meu rosto. E pela origem de meu nome, dizem-me em outro gênero. Não vejo nada de errado nisso, humanos sempre estão tão errados... Suscetíveis ao erro e à desgraça de minha vontade.
-Não quero ser uma desgraçada.
-Não foi tua culpa.
Por mais um longo tempo ela observou-me. Eu sentia ainda sua respiração e seu coração, e sentia seu corpo tremer em meus braços. Ela era tão minha agora, e eu sentia-me infinitamente cruel e covarde por usufruir de meu poder dessa maneira.
-Não pareces-me tão forte como pensava. Poderias ter interferido, e eu agora não estaria aqui.
-Realmente não o sou. Não posso interferir. Eu só aceito quem vem até mim, precisando ou não.
-Então ages ao contrário do outro. Pro outro, as pessoas que o aceitam. Tu, as pessoas são aceitas.
-Sim.
Ela sorriu e chorou ao mesmo tempo. E ficava ainda mais linda nessa confusão. Os cabelos negros desceram-lhe até a face e grudaram nas lágrimas. Afastei-os. Eu a entendia perfeitamente.
-Então, pra onde vou agora? -pediu-me, como se suplicasse por algo.
-A lugar nenhum. Deixarás de existir assim que eu despedir-me de ti.
-E por que ainda não o fez?
A pergunta flutuava no ar enquanto eu inventava alguma resposta. Nunca senti-me dessa maneira perto de um mortal.
-Tudo bem, podes pensar o tempo que quiseres, não importo-me de ficar contigo contanto que eu ainda exista por esse tempo. - ela disse. -Mas deixe-me olhar-te enquanto pensas?
Assenti com a cabeça. Ela olhava-me, pedaço por pedaço, pausadamente. Demorou-se em meus olhos, em meu pescoço, em minhas mãos.
-És tão bonito. Teus cabelos são negros iguais aos meus. Teus olhos, ainda mais escuros, acho que as pessoas podem perder-se dentro deles. Teus ombros, creio que estão assim meio tombados por levares tantas almas a lugar nenhum. Tuas mãos são quentes, diferentes do frio que sinto agora.
-É porque apaixonei-me por ti. É por isso que ainda não despedi-me.
Ela parou de falar. Não corou, por não poder, mas sei que sentiu a timidez gritando dentro de si.
-Isso muda alguma coisa? - pediu-me.
-Muda. Há muitas outras pessoas morrendo agora, e daqui a pouco muitas outras morrerão. E eu levarei mais tempo do que o normal para despedir-me.
-Isso atrapalha-te?
-Sim.
Calou-se, e percebi que pensava em algo.
-Então deixa-me perdida em teus olhos.
A ideia atingiu-me estrondosamente. Pela primeira vez senti medo. Percebendo minha demora a responder, ela perguntou:
-Não podes?
-Posso. Mas não quero. Sofrerias demais. Não sabes o que é ver tudo o que vejo, todos os dias, o tempo todo. E eu sofreria ainda mais, por saber que tu estarias a enxergar o mundo de outro jeito que não o teu. Não quero.
-Não importo-me. Já não peço, exijo que deixe-me em teus olhos.
Ela levantou-se, e encarou-me. Pensei durante algum tempo, mas não consegui suportar aquela dúvida, e atendi seu pedido.
Ela agora vive perdida em meus olhos. Durante as primeiras guerras, desculpei-me das milhares de almas por despedir-me de olhos fechados. Mas ela quis ver, então abri-os.
Eu nunca durmo. Nunca. Quando sinto falta dela, fecho meus olhos, e ela sempre está lá, toda para mim. Estou certo de que algum dia dormirei, e este então será o melhor dia de minha existência, pois sei que sonharei com ela. Sonharei com ela, com seus olhos castanhos, seus cabelos negros, seu sorriso e seu choro, e sonharei para sempre.
-Eu sei - interrompi-a.
Ela fitou-me com aqueles olhos castanhos muito grandes, que engoliam tudo o que viam pela frente. Olhos gulosos de curiosidade. Abriu a boca para falar-me mais alguma coisa, mas desistiu.
-Sei o que dizem de mim. - continuei. -Sei que mentem sobre a minha aparência, em todo lugar, e até inventaram aquela história de manto para que já não precisassem preocupar-se com meu rosto. E pela origem de meu nome, dizem-me em outro gênero. Não vejo nada de errado nisso, humanos sempre estão tão errados... Suscetíveis ao erro e à desgraça de minha vontade.
-Não quero ser uma desgraçada.
-Não foi tua culpa.
Por mais um longo tempo ela observou-me. Eu sentia ainda sua respiração e seu coração, e sentia seu corpo tremer em meus braços. Ela era tão minha agora, e eu sentia-me infinitamente cruel e covarde por usufruir de meu poder dessa maneira.
-Não pareces-me tão forte como pensava. Poderias ter interferido, e eu agora não estaria aqui.
-Realmente não o sou. Não posso interferir. Eu só aceito quem vem até mim, precisando ou não.
-Então ages ao contrário do outro. Pro outro, as pessoas que o aceitam. Tu, as pessoas são aceitas.
-Sim.
Ela sorriu e chorou ao mesmo tempo. E ficava ainda mais linda nessa confusão. Os cabelos negros desceram-lhe até a face e grudaram nas lágrimas. Afastei-os. Eu a entendia perfeitamente.
-Então, pra onde vou agora? -pediu-me, como se suplicasse por algo.
-A lugar nenhum. Deixarás de existir assim que eu despedir-me de ti.
-E por que ainda não o fez?
A pergunta flutuava no ar enquanto eu inventava alguma resposta. Nunca senti-me dessa maneira perto de um mortal.
-Tudo bem, podes pensar o tempo que quiseres, não importo-me de ficar contigo contanto que eu ainda exista por esse tempo. - ela disse. -Mas deixe-me olhar-te enquanto pensas?
Assenti com a cabeça. Ela olhava-me, pedaço por pedaço, pausadamente. Demorou-se em meus olhos, em meu pescoço, em minhas mãos.
-És tão bonito. Teus cabelos são negros iguais aos meus. Teus olhos, ainda mais escuros, acho que as pessoas podem perder-se dentro deles. Teus ombros, creio que estão assim meio tombados por levares tantas almas a lugar nenhum. Tuas mãos são quentes, diferentes do frio que sinto agora.
-É porque apaixonei-me por ti. É por isso que ainda não despedi-me.
Ela parou de falar. Não corou, por não poder, mas sei que sentiu a timidez gritando dentro de si.
-Isso muda alguma coisa? - pediu-me.
-Muda. Há muitas outras pessoas morrendo agora, e daqui a pouco muitas outras morrerão. E eu levarei mais tempo do que o normal para despedir-me.
-Isso atrapalha-te?
-Sim.
Calou-se, e percebi que pensava em algo.
-Então deixa-me perdida em teus olhos.
A ideia atingiu-me estrondosamente. Pela primeira vez senti medo. Percebendo minha demora a responder, ela perguntou:
-Não podes?
-Posso. Mas não quero. Sofrerias demais. Não sabes o que é ver tudo o que vejo, todos os dias, o tempo todo. E eu sofreria ainda mais, por saber que tu estarias a enxergar o mundo de outro jeito que não o teu. Não quero.
-Não importo-me. Já não peço, exijo que deixe-me em teus olhos.
Ela levantou-se, e encarou-me. Pensei durante algum tempo, mas não consegui suportar aquela dúvida, e atendi seu pedido.
Ela agora vive perdida em meus olhos. Durante as primeiras guerras, desculpei-me das milhares de almas por despedir-me de olhos fechados. Mas ela quis ver, então abri-os.
Eu nunca durmo. Nunca. Quando sinto falta dela, fecho meus olhos, e ela sempre está lá, toda para mim. Estou certo de que algum dia dormirei, e este então será o melhor dia de minha existência, pois sei que sonharei com ela. Sonharei com ela, com seus olhos castanhos, seus cabelos negros, seu sorriso e seu choro, e sonharei para sempre.
14.4.10
Brisa
O sol estava nascendo, e jogava nos olhos dela seus pequenos raios de luz. Ao desviar o rosto da claridade, pensou nele mais uma vez. E pensou na forma como o sorriso dele também a iluminara.
Já há algum tempo não pensava nele e em tudo que ele a fez sentir. Em como o abraço dele, quente, perfumado e completamente encaixável com o corpo dela, a fazia voar pra longe de qualquer coisa -importante ou não- que estava acontecendo ao seu redor. Lembrou dos carinhos dele, da mão dele passeando levemente pelas suas costas, pelo seu cabelo, pelo seu rosto e suas bochechas vermelhas da timidez que ela não controlava. Era assim sua vida com ele, apaixonada e tranquila.
Era. Ele partiu, levando consigo toda a ilusão, a paixão e os carinhos. Mas não foi porque ele quis, e foi rápido, até. Mas nada silencioso. O caminhão bateu de frente com a moto vermelha, na qual ele tantas vezes a levara pra ver o pôr-do-sol. E ele voou, não do jeito como voava quando eles estavam juntos, mas do jeito que, quando se pousa, não há mais como voar. Nem ao menos andar. E, no caso dele, respirar. Respirar o perfume dela. Respirar o ar doce que vinha quando ela sorria. Respirar o amor que eles sentiam. Respirar ela. Ela.
Ela, sentada no banco do carro, alheia ao mundo, e desviando seu rosto do sol. E, ao desviar seu rosto, desviou seu rumo. Bateu na árvore do acostamento, muito maior e mais forte que seu automóvel. Ela não voou, mas também já não respira.
Já há algum tempo não pensava nele e em tudo que ele a fez sentir. Em como o abraço dele, quente, perfumado e completamente encaixável com o corpo dela, a fazia voar pra longe de qualquer coisa -importante ou não- que estava acontecendo ao seu redor. Lembrou dos carinhos dele, da mão dele passeando levemente pelas suas costas, pelo seu cabelo, pelo seu rosto e suas bochechas vermelhas da timidez que ela não controlava. Era assim sua vida com ele, apaixonada e tranquila.
Era. Ele partiu, levando consigo toda a ilusão, a paixão e os carinhos. Mas não foi porque ele quis, e foi rápido, até. Mas nada silencioso. O caminhão bateu de frente com a moto vermelha, na qual ele tantas vezes a levara pra ver o pôr-do-sol. E ele voou, não do jeito como voava quando eles estavam juntos, mas do jeito que, quando se pousa, não há mais como voar. Nem ao menos andar. E, no caso dele, respirar. Respirar o perfume dela. Respirar o ar doce que vinha quando ela sorria. Respirar o amor que eles sentiam. Respirar ela. Ela.
Ela, sentada no banco do carro, alheia ao mundo, e desviando seu rosto do sol. E, ao desviar seu rosto, desviou seu rumo. Bateu na árvore do acostamento, muito maior e mais forte que seu automóvel. Ela não voou, mas também já não respira.
26.3.10
15:55
É bom saber que eu tenho amigos que saem de casa debaixo de chuva e com um friozinho irritante só pra me ver. Pra ficar das 14h até as 20h30min dentro de um shopping, jogando truco, gritando no cinema, rindo um da cara do outro. Quando estávamos dançando em cinco no jogo feito pra um, eu pensei que, bah, é bem assim mesmo: um completa o outro. Amizades sempre são assim, ninguém é tão completo que não precise de outro alguém pra sentir-se feliz.
Jayne, Mozinha, Marlon, Eric e Igor, o dia de hoje não poderia ter sido melhor, e foi tudo por causa de vocês. Vocês que me fizeram rir sem parar, que me aguentaram gritando até por causa de um fósforo, que gastaram dinheiro jogando e que, afinal, demonstraram, mesmo sem palavras, que eu tenho em quem confiar. Vou morrer de saudade de vocês, minha galerinha. :)
*-É o mesmo que fez o Leonardo DiCaprio ;DD
-Mas esse É o Leonardo O_O
-Gente, tá tocando a música do Justin Bieber no celular de alguém, escutem
-É o teu, Mozinha!
-All the single LADDIE!
Amo muitooo vocêeeeeees!! <3
Jayne, Mozinha, Marlon, Eric e Igor, o dia de hoje não poderia ter sido melhor, e foi tudo por causa de vocês. Vocês que me fizeram rir sem parar, que me aguentaram gritando até por causa de um fósforo, que gastaram dinheiro jogando e que, afinal, demonstraram, mesmo sem palavras, que eu tenho em quem confiar. Vou morrer de saudade de vocês, minha galerinha. :)
*-É o mesmo que fez o Leonardo DiCaprio ;DD
-Mas esse É o Leonardo O_O
-Gente, tá tocando a música do Justin Bieber no celular de alguém, escutem
-É o teu, Mozinha!
-All the single LADDIE!
Amo muitooo vocêeeeeees!! <3
22.3.10
Perdido
Nas últimas vezes ele acreditou tanto que o final veio incontrolavelmente mais rápido. Acreditou tanto que daria certo, que acabou dando errado. E agora ele para e pensa que, bom, o desfecho o fez perceber que alguma coisa realmente estava fora do lugar. Talvez os horários. Talvez os encontros. Talvez ele mesmo.
Mas alguém, da forma mais direta possível, confessou ser o amor da vida dele. Esse alguém tocou-o de uma forma deveras intensa. Engraçado, logo esse alguém que havia desaparecido por tanto tempo, que ele acreditava já não lembrar-se dele. Então, acreditou em uma solidão ainda maior. Acreditou absolutamente que não daria certo de maneira alguma.
Mas o final até agora não veio.
Mas alguém, da forma mais direta possível, confessou ser o amor da vida dele. Esse alguém tocou-o de uma forma deveras intensa. Engraçado, logo esse alguém que havia desaparecido por tanto tempo, que ele acreditava já não lembrar-se dele. Então, acreditou em uma solidão ainda maior. Acreditou absolutamente que não daria certo de maneira alguma.
Mas o final até agora não veio.
4.3.10
Cortina de flores
As gotas da chuva lá fora passam pela janela entreaberta, molhando o sofá que geme de velhice. Caem de um céu escuro e macabro. A luz do heliporto lá em cima do morro lança-se sobre os casebres tímidos e perigosamente vacilantes. Carros passam incessantemente na rua, parecem desfilar, mas na janela já não há alguém para olhá-los. Quem estava lá perdeu-se entre os lençóis descosturados e mal-cheirosos do colchão fino e desconfortável jogado ao canto do quarto. Mas esse alguém não importa-se com detalhes tão banais: está sonhando.
5.2.10
Despertar
Eu olho lá pra fora, a tentar puxar pra mim o vento fraco que mexe as toalhas estendidas ao longo do varal de cactus. O calor em demasia afetou meu sono, mas foi só o meu: o barulho da hélice dos ventiladores acolhe com ritmo os roncos do quarto ao lado. A madeira das paredes parece contorcer-se em lamúrios de suor, e desde o amanhecer pequenos pássaros coloridos voam pelo céu sombrio a procurar a brisa que há muitas horas resolveu esvair-se. Algo caminha sobre o telhado, creio que é o gato azul da vizinha; pobre bichano, deve estar com tanta sede quanto as flores vermelhas já cinzas e sem vida.
9.1.10
Alô?
Hoje eu resolvi falar de um dos meus maiores horrores desde sempre: o telefone. É, pode parecer engraçado ou nonsense, mas eu tenho pavor ao telefone. De atender o telefone. De ver um telefone. De lojas de telefone. Do toque do telefone. Brr.
Tá, eu exagerei, não é desde sempre que eu faço de tudo pra passar longe dessa horripilante invenção humana. Creio que essa fobia (existe uma fobia pra isso? Google it... Existe! Telefonofobia, mas eu não tenho medo de morrer caso atenda o telefone. Eu nem atendo...) veio de uma vez que eu atendi o telefone e era minha tia. Digo, uma das minhas tias, porque eu tenho uma cabeçada de tia. Mentira, tenho só 4, mas ainda existem as tias-avós, as tias-vizinhas e por aí vai. Continuando: essa tia que me ligou, tem uma irmã gêmea. Eu, na minha ingenuidade de 4 anos, acreditava que suas vozes eram iguais no telefone (ainda acredito), e atendi na maior alegria dizendo "ooooooi, tia Juuuuli!". Eu só lembro de escutar risadas. Risadas descontroladas. Era a tia Jana! Não a culpo por ter rido, nem pela minha fobia, mas eu fiquei traumatizada. Vai que qualquer dia desses eu atendo o telefone e a pessoinha do outro lado da linha fala "Adivinha quem éééé?"? Eu me defenestro! É quase certo que foi aí que minha fobia começou, porque não tenho nenhuma outra recordação minha de correr desesperadamente gritando EU ATENDO todas as vezes que o telefone tocava.
Não vejo sentido em usar o telefone hoje em dia. Existe a internet, Jesus! Não citarei a televisão, porque nem assisto. E, se assisto, critico tudo que vejo e escuto, e aí quem está junto comigo me chuta de perto. Minhas amigas vivem me repreendendo por nunca atender meu celular. Sim, eu tenho um celular, mas eu o mantenho perto pra casos extremos do tipo fui-pro-Paraguai-e-nunca-mais-voltarei, ou seja: jamais! Eu finjo que esqueço ele dentro da última gaveta do guarda-roupa, mas alguém sempre o encontra e me entrega. Eu inocentemente o esqueço em cima da mesa dos restaurantes em que vou, mas a garçonete é gentil demais pra pegá-lo e vendê-lo em algum canto qualquer, então ela me chama e me avisa que eu esqueci o celular sobre a mesa.
Desconheço o inventor do telefone, mas maldito seja. Brincadeira. Mas ainda tenho a esperança de um ataque alienígena que venha somente para acabar com essas coisinhas sonoras bizarras. E aí, então, iniciará a era chamada "paz ouvidal", pelo menos pros casos de telefone. Ainda existe o funk, o sertanejo, o pagode, Calypso e Cine.
Tá, eu exagerei, não é desde sempre que eu faço de tudo pra passar longe dessa horripilante invenção humana. Creio que essa fobia (existe uma fobia pra isso? Google it... Existe! Telefonofobia, mas eu não tenho medo de morrer caso atenda o telefone. Eu nem atendo...) veio de uma vez que eu atendi o telefone e era minha tia. Digo, uma das minhas tias, porque eu tenho uma cabeçada de tia. Mentira, tenho só 4, mas ainda existem as tias-avós, as tias-vizinhas e por aí vai. Continuando: essa tia que me ligou, tem uma irmã gêmea. Eu, na minha ingenuidade de 4 anos, acreditava que suas vozes eram iguais no telefone (ainda acredito), e atendi na maior alegria dizendo "ooooooi, tia Juuuuli!". Eu só lembro de escutar risadas. Risadas descontroladas. Era a tia Jana! Não a culpo por ter rido, nem pela minha fobia, mas eu fiquei traumatizada. Vai que qualquer dia desses eu atendo o telefone e a pessoinha do outro lado da linha fala "Adivinha quem éééé?"? Eu me defenestro! É quase certo que foi aí que minha fobia começou, porque não tenho nenhuma outra recordação minha de correr desesperadamente gritando EU ATENDO todas as vezes que o telefone tocava.
Não vejo sentido em usar o telefone hoje em dia. Existe a internet, Jesus! Não citarei a televisão, porque nem assisto. E, se assisto, critico tudo que vejo e escuto, e aí quem está junto comigo me chuta de perto. Minhas amigas vivem me repreendendo por nunca atender meu celular. Sim, eu tenho um celular, mas eu o mantenho perto pra casos extremos do tipo fui-pro-Paraguai-e-nunca-mais-voltarei, ou seja: jamais! Eu finjo que esqueço ele dentro da última gaveta do guarda-roupa, mas alguém sempre o encontra e me entrega. Eu inocentemente o esqueço em cima da mesa dos restaurantes em que vou, mas a garçonete é gentil demais pra pegá-lo e vendê-lo em algum canto qualquer, então ela me chama e me avisa que eu esqueci o celular sobre a mesa.
Desconheço o inventor do telefone, mas maldito seja. Brincadeira. Mas ainda tenho a esperança de um ataque alienígena que venha somente para acabar com essas coisinhas sonoras bizarras. E aí, então, iniciará a era chamada "paz ouvidal", pelo menos pros casos de telefone. Ainda existe o funk, o sertanejo, o pagode, Calypso e Cine.
4.1.10
Asas
Mudar de cidade é algo estarrecedor e ao mesmo tempo excitante. Não digo só das praias, ou das trilhas, ou dos lugares legais daqui. Eu quero dizer dos detalhes. Detalhes do tipo os donos da padaria aqui perto de casa, que são gentis e sorriem sinceramente às 6h da manhã, quando vou comprar pão de queijo. E o vento sul que bate de tardinha e entra violento pela janela, e faz as pipas dos guris do morro voarem bem lá no alto. As luzes da ponte de noite. Os ocasos, que nos fazem parar por alguns instantes e sair desse mundo louco.
Eu realmente perdi algum tempo olhando certas coisas pelo lado errado do negócio. Mas sempre há um sorriso escondido em algum canto por aí, e se é difícil aceitar as coisas agora, talvez o tempo mostre se isso é certo ou errado. Daqui a um minuto tudo pode estar diferente. E quem garante a tua felicidade não é a balconista da padaria ou o sol da manhã, mas eles podem te ajudar a sorrir. :)
Eu realmente perdi algum tempo olhando certas coisas pelo lado errado do negócio. Mas sempre há um sorriso escondido em algum canto por aí, e se é difícil aceitar as coisas agora, talvez o tempo mostre se isso é certo ou errado. Daqui a um minuto tudo pode estar diferente. E quem garante a tua felicidade não é a balconista da padaria ou o sol da manhã, mas eles podem te ajudar a sorrir. :)
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