28.1.12

Reverberando

A lua da Tarsila vai iluminar meus passos meio tortos
refletirá no mar fazendo uma trilha pequena até um barco
enquanto a bailarina ao meu lado também caminha e me conta sobre seus dias,
sobre brincar de ser mulher, enquanto grampos de cabelo - aqueles de avó -
caem de sua bolsa e são esquecidos pela rua escura

Talvez a grama se enrosque em meus pés e faça cócegas
e pra cima da minha perna suba uma planta cheia de flores que logo murcham

Nós chegaremos ao portão que procurávamos
e lá dentro coisas diferentes se revelarão para nós, como em um tarô
no qual as cartas de Copas talvez não façam tanto sentido

A bailarina cantará em uma oitava linda e as pessoas ficarão encantadas
(esse jeito muito bruxólico dela,
ela que guarda em seus olhos mil feitiços sussurrados)
e dançará pelo cimento sem se sentir muito segura, pois seus ossos parecem tão fracos
e então seu pé quebrará

Ela, desolada, correrá mancando até a rua
sua maquiagem ficará toda borrada, porque ela chora e porque ela sente muito
E eu estarei ali até que tudo fique bem, ajeitando seus cabelos lisos
para as próximas apresentações difíceis de sua vida às vezes cinza

Quando as Três Marias estiverem quase alcançando o mar
eu conversarei sobre estrelas e africanidades com um menininho
que pensa que descobre as coisas de um jeito fácil
Mas eu sou um tanto complicada, menininho,
eu seguro a bailarina e meu gato e meu mundo no colo, sem vacilar
e apesar do joelho machucado
e eu não me machuco assim tão fácil, porque já vivi isso antes

E tu sabes, menininho com cheiro de chá,
existem vidas mais difíceis que a sua
mas eu estarei por aqui pra rir de ti e sentir frio.

16.1.12

Delirium

-Céu! gritou, rasgando a garganta. E correu pros braços desse seu deus-amor tão lindo, esses seus braços de nuvens, aconchegando-se junto às suas filhas estrelas e aos seus mistérios. Mergulhou nesse azul-roxo-preto da Nix pra dormir e então acordar em um vermelho-laranja-amarelo de Lux, do Sol que é calor e círculo. -E mar! gemeu e suspirou, pela água por todos os lados, de um lar salgado, os ponteiros dos relógios enlouqueceriam tentando contar o tempo que poderia ficar ali.
A lua nova deu colo e fez ninar, cantando, e os sonhos dessa outra noite foram bons. E apesar do vocabulário reduzido, sussurrou entre os ventos que assobiaram nas orelhas que não iria mais dividir seu mundo com ninguém, só queria sentir o que sente com seus deuses, viver em seus braços, no colo, acariciar o ventre que abriga seu filho Entheos*, adormecendo, sonhando, acordando, correndo sobre o verde.
E fim.





*Entusiasmo vem da palavra grega "entheos", en+theos, ou seja, "ter os deuses dentro".

8.1.12

Vozes cantam palavras que eu não ouço
e a chuva rápida de hoje me fez ir pra baixo do telhado de uma senzala
com bonecos vestidos de pijamas listrados
e seus crachás mostrando o quanto eles são habilidosos com batatas-fritas.
Eu comemorei, ri e chorei
e voltei cá pra baixo de meu teto branco
sem procurar por ninguém pelas ruas, porque eu não precisava de ninguém.

Eu não preciso. E eu conheço essa sensação.
Já abandonei tantos. Eu me cansei.

E você me abandonou porque eu fui um monstro sem nem ao menos ter noção disso.
Eu me movimentei demais? Eu machuquei você por dentro?
Eu roubei muito da sua juventude? Era pr'eu ser sua boneca?
Eu sinto tanto e sinto muito...
Mas você não fez nada pra que eu esteja escrevendo agora
regurgitando o mal que não deixo existir em mim
e você não me alimenta mais.

Sem pijamas pra mim, sem listras
e sem lágrimas, porque eu me cansei disso também.
Eu já comprei um sundae de morango e me queimei no sol
e isso tudo é só mais outra bagunça que eu faço.

'Cause I know I'm a mess
and no one wanna clean up.

3.1.12

Alguns segredos

Passeando pelas pontes e praças daqui eu ouvi uma história uma vez sobre uma garotinha cujos cabelos imitavam perfeitamente o movimento do lamber do vento nas folhas das árvores de uma plantação imensa de laranjeiras. Suas mãos permaneciam geladas pra temperar seguindo os ensinamentos de sua avó, e de acordo com os sentimentos. Eu ouvi sobre os céus estrelados que a encantavam e ela se perdia no tempo-espaço deitada na sacada, jogada sobre almofadas com cheiro de canela e funcho. E na casa com um poste laranja, depois da igreja velha, vivia um garoto que a encantava tanto quanto as estrelas e apenas por lembrar-se dele ela sorria. E o sorriso dele a matava. Talvez eu a tenha visto por aí.

A garotinha possuía um mundo dentro de si e mil amores pra viver, todos sempre errados e fora de hora. (Você não sente medo ou angústia de não existir a chance de conseguir viver e sentir uma potencial felicidade?). Depois do dia chuvoso, depois da melodia da música da noite, depois do quarto azul, ela sentiu solidão e chorou. O garotinho do sorriso partiu em alguma das madrugadas da semana seguinte levando o violão consigo. E o sorriso dele aparece de vez em quando nas noites bonitas. E ele é o gato da Alice e deixa a garotinha feliz por ainda sorrir entre as estrelas amarelas, mesmo que raramente. Ela ainda sente que sente amor e sabe que sente saudade.