24.4.11

Desenfelicitando

Te fiz pássaro pra me acostumar com a ideia de que tuas asas, teus instintos e teus desejos tão egocêntricos te levariam pra longe de mim quando o frio chegasse.
Aprendi a ignorar a neve que caía pra fora da minha morada, e fui ensaiar na rua os passos das danças que te encantariam de novo quando tu voltasses.
Indiscutivelmente tão bonitas essas danças, te encantariam outra vez e te encheriam os ouvidos de música, a música que sai de mim enquanto sorrio.

Não tarda e vem o tempo quente me desenrolar do cobertor de lã que tricotei pra mim mas perfumei com o perfume teu, pra tê-lo junto a mim quando na verdade não o tinha.
A partir dos primeiros dias meio mornos mas quase completamente quentes eu já andava feliz pelas ruas agora sem neve, enganando a mim mesma e repetindo o tempo todo "Isso não será sazonal dessa vez".

Há algumas horas cheguei em casa e vi um recado teu preso à porta com um percevejo e uma pena de um pássaro qualquer: "Eu não quero mais tuas danças e tua música e teus encantos e eu não te quero mais."

7.4.11

Afinal

Um dia que nasceu cinza e envolveu o meu corpo
E os pensamentos, sempre povoados de claves,
notas, números, letras e você

Saí pra rua tropeçando no mendigo que dormia à porta
e ele me xingou
e mandou o cachorro manco dele arrancar meu estômago

O frio logo me cumprimentou e eu coloquei o casaco xadrez
que você esqueceu em cima do meu sofá

Encontrei a sua mãe e ela me mandou sumir da sua vida
eu a mandei ir procurar alguns caras, se embebedar e se divertir com eles

Fui até a beira do rio, escutei a sua bicicleta cantando, me virei,
encarei o vento que passava gélido, queimando minhas orelhas
Suas mãos quentes em minha cintura me fizeram derreter
E as aves ao redor cantaram, declamando o Apocalipse.