22.8.10

Arco-do-cupido*

Te olhei e tu me olhavas, e mexias os lábios
E nada saía de tua boca, eu não escutava
Me aproximei de ti, e te olhei de perto
E de perto mais lindo ainda parecias

Quis teu braço direito em minha órbita
De leve senti tua pele e teu calor
Juntando panturrilhas e canelas com frio
Enchi meus sentidos todos e memórias todas
Com cada gesto e milímetros de teu sor-riso infantil
Te quis bem mais, e muito mais
Além da noite do dia de Saturno

Mas tudo que tu fazias era me olhar e me olhar
Mas me olhar bem de longe, e mexer os lábios.


*A parte côncava acima da boca chama-se arco-do-cupido.

11.8.10

Da paz

Eu pego meu violão preto e empoeirado e com as cordas estourando, e me tranco no quarto todos os dias antes de dormir, e ensaio e ensaio todas as músicas que eu gostaria que tu escutasses, vindas de mim. E deito e durmo, e mesmo quando não acordo sorrindo, ou quando o frio vem abraçar-me de um jeito mais apertado, sei que o dia será bom, porque eu o faço assim.

E chego e converso com as cortinas vermelho-sangue da sala, e olho pra fora e ainda vejo as pipas lá em cima do morro, e tenho que contar pra ti que outro dia escutei tiros. Já quase dormia, mas os escutei, e foram muitos. E os senti todos, em partes diferentes de meu corpo, mesmo não sendo eu a pessoa que eles atingiam.

E eu tive medo pelas crianças cujos pais e cujas mães podem morrer pelas armas de quem manda, e me lembrei daquela que desenhou-me um anjinho e escreveu-me uma carta um dia. E tive medo de voltar e ela não estar mais lá, dela ter ido embora sem saber o quanto sempre a quis por perto.

Então eu peguei meu violão e tranquei-me no quarto, pra tocar músicas de ninar pra ela, mesmo ela estando tão longe. E ela ouviu, porque apareceu em meus sonhos, disse-me que eu era bonita, enroscou-se em meus cabelos, cantou pra mim e adormeceu.