liga a máquina de costura e junta aqueles trapos
esses tantos fios coloridos não farão um conjunto destoante,
não te preocupa
os movimentos às vezes parecem uma dança
a sincronia da agulha, do empurrar do tecido, da respiração
tu me diz bonita costurando os retalhos
não te esquece da água fervendo na cozinha
desliza a cortina leve pra frente da janela aberta
o vento frio vai ondular o tecido
enquanto a gente divaga
e devaneia
sonha
me enrola naquele cobertor que tu tem desde que era criança
ajeita meu cabelo do jeito que tu gostar
me sorri com os lábios, os olhos e a alma
sonha
31.10.13
6.10.13
Claustrofobia
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
Dessa vez acho que quebrei de vez aquelas costelas
que eu sempre reclamava de dor pra ti
acho que a queda foi planejada profissionalmente
Eu não quero que essa falta de empatia me pareça algo normal
essa que vem acompanhada geralmente de mais uma daquelas
"não fica desse jeito"
"foi sem querer"
quando a pessoa sabe desde o início que vai te atirar num precipício
E esse monte de lã saiu de um blusão
que a gente desmanchou
pra enrolar tudo de novo e guardar durante a primavera
(acho que enrolei minhas pernas, braços, pensamentos todos também)
Dessa vez eu acho que prendi um beija-flor numa gaiola
pra cuidar dele
mas
ele tá morrendo
wants to get out
but I'm too tough for him
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
Dessa vez acho que quebrei de vez aquelas costelas
que eu sempre reclamava de dor pra ti
acho que a queda foi planejada profissionalmente
Eu não quero que essa falta de empatia me pareça algo normal
essa que vem acompanhada geralmente de mais uma daquelas
"não fica desse jeito"
"foi sem querer"
quando a pessoa sabe desde o início que vai te atirar num precipício
E esse monte de lã saiu de um blusão
que a gente desmanchou
pra enrolar tudo de novo e guardar durante a primavera
(acho que enrolei minhas pernas, braços, pensamentos todos também)
Dessa vez eu acho que prendi um beija-flor numa gaiola
pra cuidar dele
mas
ele tá morrendo
19.9.13
Flor e ser
O equinócio da primavera vem lambendo os pés da gente
aos poucos
tomando conta das ruas e das árvores
Pros lados de cá o mundo fica apaixonado
flores em todos os cantos
Tu não vês?
Flamboyants e hibiscos explodem
Os jasmins estão voltando também
na rua da minha casa tem mil deles
Toma um chá comigo hoje à noite?
É só saudade mesmo
e uma gota ou uma enxurrada de amor
Acho que eu gosto da gente assim bem junto
Flor e sendo
nos olhos, nos sorrisos
Vem pra perto que eu te faço um carinho...
aos poucos
tomando conta das ruas e das árvores
Pros lados de cá o mundo fica apaixonado
flores em todos os cantos
Tu não vês?
Flamboyants e hibiscos explodem
Os jasmins estão voltando também
na rua da minha casa tem mil deles
Toma um chá comigo hoje à noite?
É só saudade mesmo
e uma gota ou uma enxurrada de amor
Acho que eu gosto da gente assim bem junto
Flor e sendo
nos olhos, nos sorrisos
Vem pra perto que eu te faço um carinho...
4.9.13
hoje mesqueci de como se escreve teu nome
e tem um pássaro cantando no telhado
a música ressoa pelas paredes nuas da casa
o vento quente da chuva fria mexe as persianas
nessas horas tu te mexias sonolenta do meu lado
eu beijava a tua boca e tu me sorrias
eu te contava meus devaneios e sonhos
sobre a vida o mundo os humanos
o vento entrava no quarto pra te olhar
desligada do mundo e desmaiada na cama
(aquela box, da propaganda da tevê)
me questiono se algum dia tu vais acordar de novo
sinceramente não sei se quero que isso aconteça
eu é que desejo ir pra dentro dos teus sonhos
tu és tão linda, mujer
a música ressoa pelas paredes nuas da casa
o vento quente da chuva fria mexe as persianas
nessas horas tu te mexias sonolenta do meu lado
eu beijava a tua boca e tu me sorrias
eu te contava meus devaneios e sonhos
sobre a vida o mundo os humanos
o vento entrava no quarto pra te olhar
desligada do mundo e desmaiada na cama
(aquela box, da propaganda da tevê)
me questiono se algum dia tu vais acordar de novo
sinceramente não sei se quero que isso aconteça
eu é que desejo ir pra dentro dos teus sonhos
tu és tão linda, mujer
13.8.13
Nino
descalça os sapatos, que é pra me acompanhar
o caminho é comprido, fechado de árvores,
os pés sairão sujos e talvez machucados
mas com alguém do lado sempre parece que não vai demorar
e se tu for esse alguém eu até me sinto mais segura
me bota no colo e canta pra mim alguma canção que tu aprendeu
em uma das viagens por esse Brasil enorme
os quais em cada canto tu ligava pra gente e falava com o sotaque do lugar
e a gente morria de saudade
deixa eu guardar pra ti os cartões telefônicos que eu acho que tu ainda não tens
assistir televisão contigo e rir das tuas piadas
apertar tuas "bochechas de buldogue velho" e te abraçar
me conta as novidades da estrada
me leva pra passear no caminhão junto contigo
a gente pode levar toda a família
ir pra algum lugar bem longe e não voltar nunca mais
eu até fico sem comer pêssego, porque eu sei que tu detesta
deixa eu me pendurar nos teus ombros e fazer carinho nos teus cabelos brancos
redesenhar com canetinha a tatuagem no teu peito
te assistir enquanto dorme e ronca sentado no sofá
com as mãos cheias de anéis
a cabeça cheia de memórias
e o coração cheio de alegria e amor
forte
e vem logo que tá todo mundo te esperando
eu ainda quero ouvir muitas histórias tuas
fica mais um tanto por aqui
vive pra sempre na minha vida com esse jeito de meninão, vô
o caminho é comprido, fechado de árvores,
os pés sairão sujos e talvez machucados
mas com alguém do lado sempre parece que não vai demorar
e se tu for esse alguém eu até me sinto mais segura
me bota no colo e canta pra mim alguma canção que tu aprendeu
em uma das viagens por esse Brasil enorme
os quais em cada canto tu ligava pra gente e falava com o sotaque do lugar
e a gente morria de saudade
deixa eu guardar pra ti os cartões telefônicos que eu acho que tu ainda não tens
assistir televisão contigo e rir das tuas piadas
apertar tuas "bochechas de buldogue velho" e te abraçar
me conta as novidades da estrada
me leva pra passear no caminhão junto contigo
a gente pode levar toda a família
ir pra algum lugar bem longe e não voltar nunca mais
eu até fico sem comer pêssego, porque eu sei que tu detesta
deixa eu me pendurar nos teus ombros e fazer carinho nos teus cabelos brancos
redesenhar com canetinha a tatuagem no teu peito
te assistir enquanto dorme e ronca sentado no sofá
com as mãos cheias de anéis
a cabeça cheia de memórias
e o coração cheio de alegria e amor
forte
e vem logo que tá todo mundo te esperando
eu ainda quero ouvir muitas histórias tuas
fica mais um tanto por aqui
vive pra sempre na minha vida com esse jeito de meninão, vô
5.8.13
(só pra constar que eu gostei de ter você por perto)
Saudei o sol, as deusas, os deuses, o mar, a lagoinha
o céu
eles me saudaram de volta só mais tarde
deixando duas estrelas-cadentes entrarem no meu campo de visão
bem perto do rastro de poeira cósmica que eu vi na noite escura
Nasceu uma flor no dorso da minha mão
as pétalas brotaram naquele tom vermelho-rosado que eu gosto
o miolo bem no centro é marrom e vai se esvaindo pra um amarelo-ouro
as folhas são de um verde que eu nunca vi igual
e o perfume me faz viajar pra uma noite de música
poema
gaita
e chuva
Tô cuidando bem dela, eu juro pra quem quiser que eu jure
tem abelhas voando ao redor da minha cabeça
uns passarinhos pousando nos meus ombros
e borboletas no meu estômago
Afundei num poção de água gelada e prendi bem o ar dentro de mim
- dizem que o ideal é você tentar controlar essas coisas
nadar bem perto da margem
mas eu saí flutuando pelos meandros do rio
como sempre
eu adoro que a água me leve pra onde ela quiser
e aí eu deixo que me desague no mar, e me enrolo nas ondas
o céu
eles me saudaram de volta só mais tarde
deixando duas estrelas-cadentes entrarem no meu campo de visão
bem perto do rastro de poeira cósmica que eu vi na noite escura
Nasceu uma flor no dorso da minha mão
as pétalas brotaram naquele tom vermelho-rosado que eu gosto
o miolo bem no centro é marrom e vai se esvaindo pra um amarelo-ouro
as folhas são de um verde que eu nunca vi igual
e o perfume me faz viajar pra uma noite de música
poema
gaita
e chuva
Tô cuidando bem dela, eu juro pra quem quiser que eu jure
tem abelhas voando ao redor da minha cabeça
uns passarinhos pousando nos meus ombros
e borboletas no meu estômago
Afundei num poção de água gelada e prendi bem o ar dentro de mim
- dizem que o ideal é você tentar controlar essas coisas
nadar bem perto da margem
mas eu saí flutuando pelos meandros do rio
como sempre
eu adoro que a água me leve pra onde ela quiser
e aí eu deixo que me desague no mar, e me enrolo nas ondas
27.7.13
to make sand out of pearls
eu sigo derramando gotas de tinta preta nas cartas que escrevo
(o que me faz lembrar
post-scriptum: "Como prova do meu amor, envio-lhe minhas lágrimas"*)
com os borrões eu faço floreios e enrosco todos nos cantos das páginas
as letras às vezes sorriem pra mim, que é pra eu sorrir de volta
me jogo nas linhas de uma costura que não tem forma
pela janela uma lua que mingua solta um murmúrio de solidão
as muitas constelações que eu aprendi a ler na aula de Astronomia dançam
enroscam-se as estrelas amantes
ontem à noite eu olhei pro céu e vi Marte
eu nunca sonhei com você**
e tu és doce igual ao inferno
queria que esse poema levasse o teu nome
tem flores debaixo dos meus pés, mas tem areia entre os meus dedos
o mar rugiu a tarde inteira
*Uma frase do "Crônica de uma Morte Anunciada", de Gabriel García Márquez ♥
** Ligia - Tom Jobim
(o que me faz lembrar
post-scriptum: "Como prova do meu amor, envio-lhe minhas lágrimas"*)
com os borrões eu faço floreios e enrosco todos nos cantos das páginas
as letras às vezes sorriem pra mim, que é pra eu sorrir de volta
me jogo nas linhas de uma costura que não tem forma
pela janela uma lua que mingua solta um murmúrio de solidão
as muitas constelações que eu aprendi a ler na aula de Astronomia dançam
enroscam-se as estrelas amantes
ontem à noite eu olhei pro céu e vi Marte
eu nunca sonhei com você**
e tu és doce igual ao inferno
queria que esse poema levasse o teu nome
tem flores debaixo dos meus pés, mas tem areia entre os meus dedos
o mar rugiu a tarde inteira
*Uma frase do "Crônica de uma Morte Anunciada", de Gabriel García Márquez ♥
** Ligia - Tom Jobim
23.7.13
Apicula*
Acontecia a reunião ao redor da castanheira da praça central. Somente os homens mais velhos, suas mantas cor de mel, cor de terra, cor de tronco de árvore. As barbas completamente brancas diziam sobre o tempo e o trabalho, as mãos e os calos diziam sobre o tempo e o trabalho, os ombros caídos de cansaço e as pernas vacilantes diziam sobre o tempo e o trabalho.
As portas das casinhas do povoado, todas estreitas e lascadas, sem tranca, gemiam e dançavam com os sussurros dos ventos quentes. Os meninos espiavam por detrás das cortinas, nas janelas gigantes; era a profecia das suas vidas ali, alguns decênios e seriam seus os pés descalços sobre a terra seca do arredor da castanheira. Os rapazes ainda não voltaram do banho matinal. As mulheres a essas horas deitavam-se nas redes e acompanhavam a reunião das varandas, algumas fumavam cachimbos enormes, mas nesse momento todas vestiam amarelo. As meninas e as moças estavam em seus quartos, nas estufas das flores nos altos do vilarejo, e dormiam todas nuas porque dentro de uma estufa é muito quente, como você pode saber.
Quando o sol ficava no ponto mais alto do céu, os meninos desciam das janelas e enchiam panelões com água e sal, pacientemente misturavam sementes moídas até formar um corpo só, e cozinhavam até desgrudar das paredes do panelão. Depois, acordavam as mulheres nas redes, e essas iam chamar as meninas e moças, e as meninas e moças desciam nuas dos montes espalhando o cheiro de flor de estufa por todo canto.
E era nesse momento que os homens mais velhos partiam, debaixo de suas mantas, descalços, atravessando os montes das estufas pra morrer de frio do outro lado.
Os meninos voltavam pros quartos pra chorar a morte. Os rapazes chegavam e almoçavam junto com as mulheres. As meninas e moças ferviam água e jogavam suas flores pro chá da sobremesa.
E então no outro dia as meninas e moças traziam das estufas os alimentos, e as mulheres cuidavam dos animais, e os meninos e rapazes cozinhavam pra todos. E no próximo dia isso acontecia outra vez, e nos próximos dias, e nos próximos meses e anos.
Até que chegava o tempo do frio do outro lado do monte, os rapazes já eram homens velhos e reuniam-se na praça central ao redor da castanheira, as mulheres já estavam enterradas ao redor da árvore, as moças eram mulheres e vestiam-se de amarelo, existiam meninos pendurados nas janelas e meninas e moças dormindo nas estufas.
*do latim, "abelhinha"
inspiração: http://ericvalli.com/index.php?/stories/honey-hunters/
As portas das casinhas do povoado, todas estreitas e lascadas, sem tranca, gemiam e dançavam com os sussurros dos ventos quentes. Os meninos espiavam por detrás das cortinas, nas janelas gigantes; era a profecia das suas vidas ali, alguns decênios e seriam seus os pés descalços sobre a terra seca do arredor da castanheira. Os rapazes ainda não voltaram do banho matinal. As mulheres a essas horas deitavam-se nas redes e acompanhavam a reunião das varandas, algumas fumavam cachimbos enormes, mas nesse momento todas vestiam amarelo. As meninas e as moças estavam em seus quartos, nas estufas das flores nos altos do vilarejo, e dormiam todas nuas porque dentro de uma estufa é muito quente, como você pode saber.
Quando o sol ficava no ponto mais alto do céu, os meninos desciam das janelas e enchiam panelões com água e sal, pacientemente misturavam sementes moídas até formar um corpo só, e cozinhavam até desgrudar das paredes do panelão. Depois, acordavam as mulheres nas redes, e essas iam chamar as meninas e moças, e as meninas e moças desciam nuas dos montes espalhando o cheiro de flor de estufa por todo canto.
E era nesse momento que os homens mais velhos partiam, debaixo de suas mantas, descalços, atravessando os montes das estufas pra morrer de frio do outro lado.
Os meninos voltavam pros quartos pra chorar a morte. Os rapazes chegavam e almoçavam junto com as mulheres. As meninas e moças ferviam água e jogavam suas flores pro chá da sobremesa.
E então no outro dia as meninas e moças traziam das estufas os alimentos, e as mulheres cuidavam dos animais, e os meninos e rapazes cozinhavam pra todos. E no próximo dia isso acontecia outra vez, e nos próximos dias, e nos próximos meses e anos.
Até que chegava o tempo do frio do outro lado do monte, os rapazes já eram homens velhos e reuniam-se na praça central ao redor da castanheira, as mulheres já estavam enterradas ao redor da árvore, as moças eram mulheres e vestiam-se de amarelo, existiam meninos pendurados nas janelas e meninas e moças dormindo nas estufas.
*do latim, "abelhinha"
inspiração: http://ericvalli.com/index.php?/stories/honey-hunters/
18.6.13
o mapa que tu me deste me fez chegar aqui
eu desobedeci as placas, pulei os muros
e quebrei as janelas
enquanto vinha, corri fugindo de mil cachorros brabos
debaixo de um sol de muitos calores
deitei no telhado de uma casa preta
e vi as cores das roupas do varal derretendo
eu morri
me levantei tonta de fome e cansaço
me apoiei nos joelhos e, olhando em frente,
eu vi o Sol vomitando fogo no horizonte
e congelei
te puxando pela manga do casaco
sussurrei -não me perdoe por esse amor gigante
que te assusta
mas me diga se anseias por ele, que eu te amo
tu me olhaste, piscando os olhos
e resolveu se agarrar em outras atrás de muros brancos
ou por cima de bancos amarelos
e meu coração, bobo, grande e vermelho
sangrado de sentimentos
parou por dois segundos
virei pro outro lado do céu
pra perceber que eu vivo sempre em ciclos
é tipo a roda da fortuna
ou a correia da bicicleta
eu sempre volto pra um porto
o mais cheio de luz de todos
por cima do mar eu deixei meu barquinho
e fui pela areia até o farol
pra assistir embaçada de lágrimas e suspiros
uma Lua completando seu ciclo de gravidez
e quebrei as janelas
enquanto vinha, corri fugindo de mil cachorros brabos
debaixo de um sol de muitos calores
deitei no telhado de uma casa preta
e vi as cores das roupas do varal derretendo
eu morri
me levantei tonta de fome e cansaço
me apoiei nos joelhos e, olhando em frente,
eu vi o Sol vomitando fogo no horizonte
e congelei
te puxando pela manga do casaco
sussurrei -não me perdoe por esse amor gigante
que te assusta
mas me diga se anseias por ele, que eu te amo
tu me olhaste, piscando os olhos
e resolveu se agarrar em outras atrás de muros brancos
ou por cima de bancos amarelos
e meu coração, bobo, grande e vermelho
sangrado de sentimentos
parou por dois segundos
virei pro outro lado do céu
pra perceber que eu vivo sempre em ciclos
é tipo a roda da fortuna
ou a correia da bicicleta
eu sempre volto pra um porto
o mais cheio de luz de todos
por cima do mar eu deixei meu barquinho
e fui pela areia até o farol
pra assistir embaçada de lágrimas e suspiros
uma Lua completando seu ciclo de gravidez
16.5.13
Otsoa*
Existe um povoado bem além daqueles morros enormes. As casas são feitas nos troncos das árvores e as pessoas se estendem nas raízes gigantes na hora da sesta, roncando e sonhando com a enchente e os animais marinhos. São polvos e lulas e ouriços e peixes e baleias nadando por entre as árvores cobertas de água.
Tem um lobo que mora em cima do morro mais alto da região - que é também o mais alto do mundo. Ele vive lá há séculos, preso numa caverna, e ninguém sabe explicar direito de onde ele veio ou de que forma foi parar por lá. Tem gente que diz que foi da vez que o mundo inteiro alagou, a mesma vez que povoa os sonhos de todos, e nessa ocasião o lobo nadou durante meses... e foi parar pra cima do morro. Tem gente que diz que ele era homem moço, e dedicava amor pra uma mulher moça que só o amava de volta em noites de lua cheia e só debaixo das flores brancas venenosamente perfumadas, até que uma noite ele adormeceu sufocado e acordou virado lobo, em cima do morro.
Quando faz calor o lobo rosna, fazendo os telhados gemerem de medo, e as pessoas suam com seu bafo quente, e o suor tem cheiro de flor branca. Quando faz frio o lobo uiva, assovia desvairado, e enlouquece as pessoas do povoado que amam as outras em silêncio, enchendo de som os ouvidos e os cérebros delas, porque sentem o amor pra dentro.
Quando nasceu a segunda filha daquela que teria vindo quarenta gerações após a mulher moça que todos diziam ser o amor do lobo, ele atirou-se do morro. Andou dificultosamente por entre a neve do inverno durante um mês; chegou aos campos de milho durante a primavera e alcançou a mata no verão.
Encontraram-no lambendo os pés da menininha e o mataram.
A menina cresceu, entrou no mar e virou sereia.
E o mundo alagou-se das lágrimas da mãe dela.
*Basco, significa "lobo".
Tem um lobo que mora em cima do morro mais alto da região - que é também o mais alto do mundo. Ele vive lá há séculos, preso numa caverna, e ninguém sabe explicar direito de onde ele veio ou de que forma foi parar por lá. Tem gente que diz que foi da vez que o mundo inteiro alagou, a mesma vez que povoa os sonhos de todos, e nessa ocasião o lobo nadou durante meses... e foi parar pra cima do morro. Tem gente que diz que ele era homem moço, e dedicava amor pra uma mulher moça que só o amava de volta em noites de lua cheia e só debaixo das flores brancas venenosamente perfumadas, até que uma noite ele adormeceu sufocado e acordou virado lobo, em cima do morro.
Quando faz calor o lobo rosna, fazendo os telhados gemerem de medo, e as pessoas suam com seu bafo quente, e o suor tem cheiro de flor branca. Quando faz frio o lobo uiva, assovia desvairado, e enlouquece as pessoas do povoado que amam as outras em silêncio, enchendo de som os ouvidos e os cérebros delas, porque sentem o amor pra dentro.
Quando nasceu a segunda filha daquela que teria vindo quarenta gerações após a mulher moça que todos diziam ser o amor do lobo, ele atirou-se do morro. Andou dificultosamente por entre a neve do inverno durante um mês; chegou aos campos de milho durante a primavera e alcançou a mata no verão.
Encontraram-no lambendo os pés da menininha e o mataram.
A menina cresceu, entrou no mar e virou sereia.
E o mundo alagou-se das lágrimas da mãe dela.
*Basco, significa "lobo".
14.4.13
Amans*
Brotou no céu o esplendoroso círculo de fogo
aquecendo tudo
e beijou a minha boca
Na hora do almoço o Sol coube no meu abraço
e então, carinhoso, lambeu meus cotovelos
Antes de partir, ele chegou-se em mim
esquentou meu ventre
e soprou no meu pescoço
Na noite esclarecida
Céu de Brigadeiro em modo noturno
a Lua Crescente sorriu
enquanto aqui embaixo meus olhos eram nuvens carregadas
No amanhecer doutro dia
olhei pra cima
e vi dois arcos-íris encurvados sobre a cidade
3.4.13
Sótão
-tem um lugar aqui nessa cidade que nunca chove
e nunca amanhece
e nunca nada muda
e só eu sei onde fica -
ela sussurrou entre os dentes que rangiam de frio
puxou-o pela manga da blusa
que tinha um desenho de bergamota no centro
arrastando-o em máxima velocidade
por todos os setenta e dois degraus
até o último andar da casa
-vês?
o teto era eterna noite
um bilhão de estrelas que dançavam
e o guri bonito de olhos bondosos
cabelos compridos e barba mal feita
confundiu todos os brilhos enquanto lacrimejava
e sussurrava pra todas as deusas e todos os deuses
-ela transborda alegrias pra todos os lados
derrama e encharca as paredes de todos os prédios
se aninha no meu ombro e espera meu beijo na testa
que eu não tenha medo de tanto amor
que eu não desperte nunca, por favor...
e nunca amanhece
e nunca nada muda
e só eu sei onde fica -
ela sussurrou entre os dentes que rangiam de frio
puxou-o pela manga da blusa
que tinha um desenho de bergamota no centro
arrastando-o em máxima velocidade
por todos os setenta e dois degraus
até o último andar da casa
-vês?
o teto era eterna noite
um bilhão de estrelas que dançavam
e o guri bonito de olhos bondosos
cabelos compridos e barba mal feita
confundiu todos os brilhos enquanto lacrimejava
e sussurrava pra todas as deusas e todos os deuses
-ela transborda alegrias pra todos os lados
derrama e encharca as paredes de todos os prédios
se aninha no meu ombro e espera meu beijo na testa
que eu não tenha medo de tanto amor
que eu não desperte nunca, por favor...
25.2.13
Sobre uma rainha e sobre uma pedra preciosa
Na última noite eu escorri feito lágrima pra dentro dos lençóis de cores da minha cama. O dia passou rápido e me acelerou junto com ele, fazendo meu coração pulsar demais. Entontecida, me enrosquei nos lençóis e nos sonhos, nas lembranças e nos delírios que me sorriram enquanto uma lua quase cheia jorrava luz nas paredes do quarto.
E no sonho eu era uma menina com cabelos trançados, amarrados no fim com um rabicó improvisado feito de cadarços de tênis, dançando e correndo debaixo da chuva, me sentindo tão imensamente feliz e liberta que eu sabia que teria essa lembrança pra sempre, e sendo observada pela janela da cozinha pela vó Maria, que sorria e achava muita graça nisso tudo.
E inesperadamente eu me via num sábado de manhã de 2001, típica manhã em que ia com meus irmãos e meu pai até o centro pra comprar revistas e tomar um sorvete, fazer uma visita rápida aos tios que trabalham até hoje com os negócios da família, e ver a vó descendo a entrada da garagem, vindo me abraçar e escutar um felicíssimo "Buon giorno, nonna", retribuído com um dos sorrisos mais cheios de alegria que eu já recebi dela.
E logo mais eu estava entre os primos, 11/04/98, finalizando a festa de aniversário da vó com uma bagunça imensa no jardim, água pra todos os lados, barro e risos infinitos; ou talvez no aniversário do vô Rubi, se reunindo e sorrindo pra foto que eu olho todos os dias - e dessa forma eu não me esqueço de me lembrar de todos eles. Pisco e acordo deitada em uma cama de hospital, cercada de outras doentes, e a vó segurava a minha mão e me olhava, e dizia que "logo, logo tudo fica bem, Tainah".
Desmaio e acordo dentro do carro do vô, cantando a plenos pulmões as músicas de Leandro e Leonardo com os primos, no rodízio de todo fim da tarde, que ele colocava todo mundo pra dentro do monza verde e levava cada um até a sua casa, não se esquecendo de passar naquele morro gigante pra cima da santinha, pra gente fingir que era a melhor montanha-russa já construída em toda a Terra e sentir aquele frio na barriga indescritível.
Outra piscada, e eu estou sentada aos pés do vô e da vó, entre as cadeiras de balanço, contando as histórias da bruxa Salomé, enquanto lá fora chovia e a praia de Piçarras ficava deserta. E eu também me vejo em cima das jabuticabeiras, o vô embaixo com uma cestinha recolhendo todas as que eu jogava, pra depois a vó fazer geleia.
No inverno, eu sentava na frente da televisão toda enrolada num dos cobertores coloridos de lã, mal abria o piano, e rapidamente vinha a vó com um prato cheio de bolachas e uma cumbuca completa de pinhão. Quando anoitecia, a gente sentava ao redor da mesa redonda grande da primeira sala, pra comer a sopa de agnoline da vó, a melhor sopa do mundo e a mais famosa entre todos os meus amigos. No verão a gente senta nos bancos branquinhos do jardim e escuta os mais novos contarem piadas. E quando eu vou pra lá, a gente faz polenta, todos juntos.
Eu tonteio, desmaio e acordo sorrindo debaixo de uma lua cheia, e à minha esquerda a vó dá muita risada e mexe no cabelo todo cheio de rabicós e presilhas que eu e a Isa colocamos. E quando eu ficar doente, a vó vai vir com um potinho de própolis e um chá de neném, com as ervas doces colhidas do quintal.
Depois disso, era eu tocando piano pra vó, com o maior amor do mundo; depois de sair do banho longo na banheira que não existe mais, pisava no tapete com pezinhos desenhados e a vó me pegava no colo e me colocava pra dentro da toalha de toquinha, escovava os meus cabelos que quase sempre tive longos e fazia uma trança.
Eu passaria a minha vida recebendo o carinho das mãos da vó, mãos que reviram a terra e que plantam as rosas mais lindas da cidade, tomando seus chás de funcho. E eu passaria a minha vida entre os gibis do vô e seus horários trocados pra poder acompanhar todos os jogos de vôlei e futebol, e pra conversar sobre o meu time de basquete e sobre as coisas da vida.
Na última noite eu escorri feito lágrima pra dentro dos lençóis de cores da minha cama.
Janela, janelinha
Porta, campainha
Trim! ♥
E no sonho eu era uma menina com cabelos trançados, amarrados no fim com um rabicó improvisado feito de cadarços de tênis, dançando e correndo debaixo da chuva, me sentindo tão imensamente feliz e liberta que eu sabia que teria essa lembrança pra sempre, e sendo observada pela janela da cozinha pela vó Maria, que sorria e achava muita graça nisso tudo.
E inesperadamente eu me via num sábado de manhã de 2001, típica manhã em que ia com meus irmãos e meu pai até o centro pra comprar revistas e tomar um sorvete, fazer uma visita rápida aos tios que trabalham até hoje com os negócios da família, e ver a vó descendo a entrada da garagem, vindo me abraçar e escutar um felicíssimo "Buon giorno, nonna", retribuído com um dos sorrisos mais cheios de alegria que eu já recebi dela.
E logo mais eu estava entre os primos, 11/04/98, finalizando a festa de aniversário da vó com uma bagunça imensa no jardim, água pra todos os lados, barro e risos infinitos; ou talvez no aniversário do vô Rubi, se reunindo e sorrindo pra foto que eu olho todos os dias - e dessa forma eu não me esqueço de me lembrar de todos eles. Pisco e acordo deitada em uma cama de hospital, cercada de outras doentes, e a vó segurava a minha mão e me olhava, e dizia que "logo, logo tudo fica bem, Tainah".
Desmaio e acordo dentro do carro do vô, cantando a plenos pulmões as músicas de Leandro e Leonardo com os primos, no rodízio de todo fim da tarde, que ele colocava todo mundo pra dentro do monza verde e levava cada um até a sua casa, não se esquecendo de passar naquele morro gigante pra cima da santinha, pra gente fingir que era a melhor montanha-russa já construída em toda a Terra e sentir aquele frio na barriga indescritível.
Outra piscada, e eu estou sentada aos pés do vô e da vó, entre as cadeiras de balanço, contando as histórias da bruxa Salomé, enquanto lá fora chovia e a praia de Piçarras ficava deserta. E eu também me vejo em cima das jabuticabeiras, o vô embaixo com uma cestinha recolhendo todas as que eu jogava, pra depois a vó fazer geleia.
No inverno, eu sentava na frente da televisão toda enrolada num dos cobertores coloridos de lã, mal abria o piano, e rapidamente vinha a vó com um prato cheio de bolachas e uma cumbuca completa de pinhão. Quando anoitecia, a gente sentava ao redor da mesa redonda grande da primeira sala, pra comer a sopa de agnoline da vó, a melhor sopa do mundo e a mais famosa entre todos os meus amigos. No verão a gente senta nos bancos branquinhos do jardim e escuta os mais novos contarem piadas. E quando eu vou pra lá, a gente faz polenta, todos juntos.
Eu tonteio, desmaio e acordo sorrindo debaixo de uma lua cheia, e à minha esquerda a vó dá muita risada e mexe no cabelo todo cheio de rabicós e presilhas que eu e a Isa colocamos. E quando eu ficar doente, a vó vai vir com um potinho de própolis e um chá de neném, com as ervas doces colhidas do quintal.
Depois disso, era eu tocando piano pra vó, com o maior amor do mundo; depois de sair do banho longo na banheira que não existe mais, pisava no tapete com pezinhos desenhados e a vó me pegava no colo e me colocava pra dentro da toalha de toquinha, escovava os meus cabelos que quase sempre tive longos e fazia uma trança.
Eu passaria a minha vida recebendo o carinho das mãos da vó, mãos que reviram a terra e que plantam as rosas mais lindas da cidade, tomando seus chás de funcho. E eu passaria a minha vida entre os gibis do vô e seus horários trocados pra poder acompanhar todos os jogos de vôlei e futebol, e pra conversar sobre o meu time de basquete e sobre as coisas da vida.
Na última noite eu escorri feito lágrima pra dentro dos lençóis de cores da minha cama.
E nos sonhos a vó Maria e o vô Rubi vivem pra sempre.
Janela, janelinha
Porta, campainha
Trim! ♥
14.2.13
Tormenta
Vindo do céu, um aguaceiro resolveu inundar a casa
Molhou os lençóis da cama e resolveu que ali se formaria uma lagoa
de água morna
Desceu as escadas e foi-se através da porta, levando consigo roupas e sapatos
espalhando-os por todos os lados
Encontrou-me sentada nos tijolinhos da calçada do outro lado da rua
desenhando na areia um monte de furacões
tipo aqueles que eu sempre encontro ou faço ao longo do meu passeio por essa existência
"Não fale nada. Agora te conto um segredo e ele talvez te faça morrer um pouco..."
E essa chuva toda resolveu que seria divertido testar todo o seu alcance
Encharcou-me completamente e riu da minha cara
e a única coisa possível d'eu fazer foi esperar pacientemente toda essa vontade acabar
e fitar a pessoa que me olhava da janela retangular da casa
e que segurava um guarda-chuva que seria entregue a mim
mas não foi
"Talvez porque tu sabes que toda essa vida faz de ti uma louca..."
Quase instantaneamente, o Céu parou de chorar
pra abrir suas pernas de nuvens
e deixar aparecer o Sol enorme e um manto azulado
"Há uma tonelada de amor dentro desse coração, eu diria..."
Caos, sempre enroscado em meus cabelos
mordeu minha orelha e sussurrou
que se fosse possível ele sequestrava a minha alma
"Ainda assim, eu te peço que, por favor,
Mate esse amor aos poucos
Não demonstre
Não me ame, não me ame, não me ame...
Porque se isso acontecer
eu te abandono".
Molhou os lençóis da cama e resolveu que ali se formaria uma lagoa
de água morna
Desceu as escadas e foi-se através da porta, levando consigo roupas e sapatos
espalhando-os por todos os lados
Encontrou-me sentada nos tijolinhos da calçada do outro lado da rua
desenhando na areia um monte de furacões
tipo aqueles que eu sempre encontro ou faço ao longo do meu passeio por essa existência
"Não fale nada. Agora te conto um segredo e ele talvez te faça morrer um pouco..."
E essa chuva toda resolveu que seria divertido testar todo o seu alcance
Encharcou-me completamente e riu da minha cara
e a única coisa possível d'eu fazer foi esperar pacientemente toda essa vontade acabar
e fitar a pessoa que me olhava da janela retangular da casa
e que segurava um guarda-chuva que seria entregue a mim
mas não foi
"Talvez porque tu sabes que toda essa vida faz de ti uma louca..."
Quase instantaneamente, o Céu parou de chorar
pra abrir suas pernas de nuvens
e deixar aparecer o Sol enorme e um manto azulado
"Há uma tonelada de amor dentro desse coração, eu diria..."
Caos, sempre enroscado em meus cabelos
mordeu minha orelha e sussurrou
que se fosse possível ele sequestrava a minha alma
"Ainda assim, eu te peço que, por favor,
Mate esse amor aos poucos
Não demonstre
Não me ame, não me ame, não me ame...
Porque se isso acontecer
eu te abandono".
29.1.13
Alguns minutos de segundas
Deixei as Mulheres de Galeano de lado
pra ler as letras de Gabriel
com seus trocadilhos e um abraço inesperado
numa segunda manhosa de sol e calor
Quase tropecei nas escadas da caixa capitalista
paredes de cimento e sem janelas
(pra não deixar sentir que o tempo passa do lado de fora
e incentivar o consumo que deixa os seres desumanos in-felizes)
e trabalhei trabalhei trabalhei
debaixo do ar-condicionado
até quase as 2
um número que me faz sentir sono e talvez um pouco de cansaço
Pra então chegar em casa sozinha
abrir as janelas enfim e me encher de vento
revirar a mochila e perceber
que tu Beleza não me permitiu estar completamente só, de fato
Passei alguns minutos (me) sentindo um dois diferente do relógio
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