E no sonho eu era uma menina com cabelos trançados, amarrados no fim com um rabicó improvisado feito de cadarços de tênis, dançando e correndo debaixo da chuva, me sentindo tão imensamente feliz e liberta que eu sabia que teria essa lembrança pra sempre, e sendo observada pela janela da cozinha pela vó Maria, que sorria e achava muita graça nisso tudo.
E inesperadamente eu me via num sábado de manhã de 2001, típica manhã em que ia com meus irmãos e meu pai até o centro pra comprar revistas e tomar um sorvete, fazer uma visita rápida aos tios que trabalham até hoje com os negócios da família, e ver a vó descendo a entrada da garagem, vindo me abraçar e escutar um felicíssimo "Buon giorno, nonna", retribuído com um dos sorrisos mais cheios de alegria que eu já recebi dela.
E logo mais eu estava entre os primos, 11/04/98, finalizando a festa de aniversário da vó com uma bagunça imensa no jardim, água pra todos os lados, barro e risos infinitos; ou talvez no aniversário do vô Rubi, se reunindo e sorrindo pra foto que eu olho todos os dias - e dessa forma eu não me esqueço de me lembrar de todos eles. Pisco e acordo deitada em uma cama de hospital, cercada de outras doentes, e a vó segurava a minha mão e me olhava, e dizia que "logo, logo tudo fica bem, Tainah".
Desmaio e acordo dentro do carro do vô, cantando a plenos pulmões as músicas de Leandro e Leonardo com os primos, no rodízio de todo fim da tarde, que ele colocava todo mundo pra dentro do monza verde e levava cada um até a sua casa, não se esquecendo de passar naquele morro gigante pra cima da santinha, pra gente fingir que era a melhor montanha-russa já construída em toda a Terra e sentir aquele frio na barriga indescritível.
Outra piscada, e eu estou sentada aos pés do vô e da vó, entre as cadeiras de balanço, contando as histórias da bruxa Salomé, enquanto lá fora chovia e a praia de Piçarras ficava deserta. E eu também me vejo em cima das jabuticabeiras, o vô embaixo com uma cestinha recolhendo todas as que eu jogava, pra depois a vó fazer geleia.
No inverno, eu sentava na frente da televisão toda enrolada num dos cobertores coloridos de lã, mal abria o piano, e rapidamente vinha a vó com um prato cheio de bolachas e uma cumbuca completa de pinhão. Quando anoitecia, a gente sentava ao redor da mesa redonda grande da primeira sala, pra comer a sopa de agnoline da vó, a melhor sopa do mundo e a mais famosa entre todos os meus amigos. No verão a gente senta nos bancos branquinhos do jardim e escuta os mais novos contarem piadas. E quando eu vou pra lá, a gente faz polenta, todos juntos.
Eu tonteio, desmaio e acordo sorrindo debaixo de uma lua cheia, e à minha esquerda a vó dá muita risada e mexe no cabelo todo cheio de rabicós e presilhas que eu e a Isa colocamos. E quando eu ficar doente, a vó vai vir com um potinho de própolis e um chá de neném, com as ervas doces colhidas do quintal.
Depois disso, era eu tocando piano pra vó, com o maior amor do mundo; depois de sair do banho longo na banheira que não existe mais, pisava no tapete com pezinhos desenhados e a vó me pegava no colo e me colocava pra dentro da toalha de toquinha, escovava os meus cabelos que quase sempre tive longos e fazia uma trança.
Eu passaria a minha vida recebendo o carinho das mãos da vó, mãos que reviram a terra e que plantam as rosas mais lindas da cidade, tomando seus chás de funcho. E eu passaria a minha vida entre os gibis do vô e seus horários trocados pra poder acompanhar todos os jogos de vôlei e futebol, e pra conversar sobre o meu time de basquete e sobre as coisas da vida.
Na última noite eu escorri feito lágrima pra dentro dos lençóis de cores da minha cama.
E nos sonhos a vó Maria e o vô Rubi vivem pra sempre.
Janela, janelinha
Porta, campainha
Trim! ♥