Me recostei na janela durante seis segundos e meu rosto quase congelou grudado ao vidro. Através do vidro eu via a cidade chacoalhando no embalo de um vento que nunca cessa. O relógio na parede me avisava que o vento não carregava consigo os ponteiros: há horas eu o encarei pela última vez e nada moveu-se desde então.
Eu enchi a caixa da minha bicicleta e os alforges todos com areia e espalhei pela sala. Os vizinhos atravessam a rua chacoalhando-se com um vento que nunca cessa - parece que dançam! - e os que olham aqui pra casa não veem a praia que eu fiz pra mim. A areia tem estado tão gelada quanto as janelas. As janelas chacoalham.
Numa noite dessas eu acordei e corri pra sala e me enrolei na areia. De cima do sofá um leão me encarava.
Queimei o jantar outra vez.
Dois pássaros construíram um ninho dentro da banheira.
O mar chegou na soleira da porta e arrastou minhas flores e minha horta com ele.
O leão se enroscou nas minhas pernas, lambeu minhas coxas e cantou um rock antigo pra eu dormir.
Minha casa pegou fogo.
O vento chacoalhou as cinzas de tudo; as fez dançar com a areia.
A palha do ninho tem cheiro de incenso.
Os ponteiros andaram um pouco. Pra trás.