eu sigo derramando gotas de tinta preta nas cartas que escrevo
(o que me faz lembrar
post-scriptum: "Como prova do meu amor, envio-lhe minhas lágrimas"*)
com os borrões eu faço floreios e enrosco todos nos cantos das páginas
as letras às vezes sorriem pra mim, que é pra eu sorrir de volta
me jogo nas linhas de uma costura que não tem forma
pela janela uma lua que mingua solta um murmúrio de solidão
as muitas constelações que eu aprendi a ler na aula de Astronomia dançam
enroscam-se as estrelas amantes
ontem à noite eu olhei pro céu e vi Marte
eu nunca sonhei com você**
e tu és doce igual ao inferno
queria que esse poema levasse o teu nome
tem flores debaixo dos meus pés, mas tem areia entre os meus dedos
o mar rugiu a tarde inteira
*Uma frase do "Crônica de uma Morte Anunciada", de Gabriel García Márquez ♥
** Ligia - Tom Jobim
27.7.13
23.7.13
Apicula*
Acontecia a reunião ao redor da castanheira da praça central. Somente os homens mais velhos, suas mantas cor de mel, cor de terra, cor de tronco de árvore. As barbas completamente brancas diziam sobre o tempo e o trabalho, as mãos e os calos diziam sobre o tempo e o trabalho, os ombros caídos de cansaço e as pernas vacilantes diziam sobre o tempo e o trabalho.
As portas das casinhas do povoado, todas estreitas e lascadas, sem tranca, gemiam e dançavam com os sussurros dos ventos quentes. Os meninos espiavam por detrás das cortinas, nas janelas gigantes; era a profecia das suas vidas ali, alguns decênios e seriam seus os pés descalços sobre a terra seca do arredor da castanheira. Os rapazes ainda não voltaram do banho matinal. As mulheres a essas horas deitavam-se nas redes e acompanhavam a reunião das varandas, algumas fumavam cachimbos enormes, mas nesse momento todas vestiam amarelo. As meninas e as moças estavam em seus quartos, nas estufas das flores nos altos do vilarejo, e dormiam todas nuas porque dentro de uma estufa é muito quente, como você pode saber.
Quando o sol ficava no ponto mais alto do céu, os meninos desciam das janelas e enchiam panelões com água e sal, pacientemente misturavam sementes moídas até formar um corpo só, e cozinhavam até desgrudar das paredes do panelão. Depois, acordavam as mulheres nas redes, e essas iam chamar as meninas e moças, e as meninas e moças desciam nuas dos montes espalhando o cheiro de flor de estufa por todo canto.
E era nesse momento que os homens mais velhos partiam, debaixo de suas mantas, descalços, atravessando os montes das estufas pra morrer de frio do outro lado.
Os meninos voltavam pros quartos pra chorar a morte. Os rapazes chegavam e almoçavam junto com as mulheres. As meninas e moças ferviam água e jogavam suas flores pro chá da sobremesa.
E então no outro dia as meninas e moças traziam das estufas os alimentos, e as mulheres cuidavam dos animais, e os meninos e rapazes cozinhavam pra todos. E no próximo dia isso acontecia outra vez, e nos próximos dias, e nos próximos meses e anos.
Até que chegava o tempo do frio do outro lado do monte, os rapazes já eram homens velhos e reuniam-se na praça central ao redor da castanheira, as mulheres já estavam enterradas ao redor da árvore, as moças eram mulheres e vestiam-se de amarelo, existiam meninos pendurados nas janelas e meninas e moças dormindo nas estufas.
*do latim, "abelhinha"
inspiração: http://ericvalli.com/index.php?/stories/honey-hunters/
As portas das casinhas do povoado, todas estreitas e lascadas, sem tranca, gemiam e dançavam com os sussurros dos ventos quentes. Os meninos espiavam por detrás das cortinas, nas janelas gigantes; era a profecia das suas vidas ali, alguns decênios e seriam seus os pés descalços sobre a terra seca do arredor da castanheira. Os rapazes ainda não voltaram do banho matinal. As mulheres a essas horas deitavam-se nas redes e acompanhavam a reunião das varandas, algumas fumavam cachimbos enormes, mas nesse momento todas vestiam amarelo. As meninas e as moças estavam em seus quartos, nas estufas das flores nos altos do vilarejo, e dormiam todas nuas porque dentro de uma estufa é muito quente, como você pode saber.
Quando o sol ficava no ponto mais alto do céu, os meninos desciam das janelas e enchiam panelões com água e sal, pacientemente misturavam sementes moídas até formar um corpo só, e cozinhavam até desgrudar das paredes do panelão. Depois, acordavam as mulheres nas redes, e essas iam chamar as meninas e moças, e as meninas e moças desciam nuas dos montes espalhando o cheiro de flor de estufa por todo canto.
E era nesse momento que os homens mais velhos partiam, debaixo de suas mantas, descalços, atravessando os montes das estufas pra morrer de frio do outro lado.
Os meninos voltavam pros quartos pra chorar a morte. Os rapazes chegavam e almoçavam junto com as mulheres. As meninas e moças ferviam água e jogavam suas flores pro chá da sobremesa.
E então no outro dia as meninas e moças traziam das estufas os alimentos, e as mulheres cuidavam dos animais, e os meninos e rapazes cozinhavam pra todos. E no próximo dia isso acontecia outra vez, e nos próximos dias, e nos próximos meses e anos.
Até que chegava o tempo do frio do outro lado do monte, os rapazes já eram homens velhos e reuniam-se na praça central ao redor da castanheira, as mulheres já estavam enterradas ao redor da árvore, as moças eram mulheres e vestiam-se de amarelo, existiam meninos pendurados nas janelas e meninas e moças dormindo nas estufas.
*do latim, "abelhinha"
inspiração: http://ericvalli.com/index.php?/stories/honey-hunters/
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