A mulher dança na rua, ensopada de chuva azul e suor de mel. As roupas, feitas da junção de milhares de flores, grudam-se ao corpo macio, os braços movimentam-se graciosos, as pernas e pés deslizam sobre as poças, os cabelos enrolados e negros embalam-se com o movimento dos quadris. O vento traz consigo o cheiro do gengibre dos chás, e os filhos e as filhas, cujos pais são todos desconhecidos, dançam ao redor da mãe cigana, tomados pela mesma alegria. E a música flui por dentro dos corpos insanos, cantada pelos Seres Maiores, plenos de bondade, que habitam casas de árvores no centro do pântano que fica ao sul.
Depois que a chuva passa, regressam ao barraco familiar, um só cômodo cheio de bauzinhos onde as crianças guardam seus brinquedos-tesouros feitos de pedaços de Lua. Quando resolvem que é hora de dormir, deitam-se assim meio de lado sobre a terra quente e tão logo adormecem, o corpo trata de aquecer-se em febre e os sonhos são sempre muito lindos.
Certa noite a mãe sentou-se no meio da casa e espalhou as muitas cartas do baralho que era da bisavó.
As crianças ficaram atentas esperando o sortilégio, aguardando ansiosas boas novidades. Depois de virar a última carta, desenhada com pássaros e um sol magnífico, a mulher levantou-se, puxou a saia para que não tropeçasse nos panos enquanto caminhava, e cantou sobre o desenho das estrelas no céu e sobre astronautas. A casa converteu-se em sorrisos e encantamentos: a Lua choveria de novo na próxima semana.
A Lua chove em pedaços cujas formas parecem nuvens, esbranquiçados, e eles se encaixam formando mil coisas. E a Lua tem cheiro de goiaba. Tudo é festa quando a Lua chove.
Noutra noite, depois da chuva da Lua, a mãe acordou todos os filhos e todas as filhas e organizou-os de tal forma que cada mais velho tinha em seu colo um irmão dois anos mais novo. Assim que eles aquietaram-se, ela falou sorrindo, doce e sublime:
- Sonhei que toda pessoa pura e bonita convertia-se em estrela. Não que se aquecesse ou se esfriasse, muito ou pouco, mas emitia luz.
As crianças olharam-se encandilhadas* e em segundos as pupilas dilataram-se violentamente.
O brilho da casa foi visto de longe.
*"Encandilhar" deriva de "incandescente", na língua portuguesa existe como como o verbo "deslumbrar".