Cheguei antes que ela por aqui. Durante algum tempo fiquei apenas deitada, escutando as músicas que se formavam ao meu redor, o tilintar dos talheres, a mastigação de remédios, os choros de alegria e dor. Duas semanas e ela apareceu, fazendo alguma coisa mudar em mim. Não tinha mais do que 6 anos, e durante alguns dias recusou-se a comer e a conversar com os outros. Mas não demorou, e ela já nos desenhava, principalmente eu, sempre com aquele vestido azul e o cabelo embalado pela brisa -ela sabia que eu gostava do vento-, e um sorriso. Só isso, sem olhos, sem nariz, sem orelhas, sem muitos detalhes. Eu saberia depois: ela me amava, e me queria assim: sorrindo.
Era linda, essa menina. Era uma princesa, gentil e educada. Sorria para todos, mesmo que muitos a olhassem com pena e com receio de aproximação, por sua imagem não seguir as regras irracionais que estabeleceram como o que é belo. Visitava a biblioteca à noite comigo, quando fugíamos das enfermeiras, e nos perdíamos por entre folhas e folhas com cheiro de imaginação, durante horas. E então ela dormia encaixada perfeitamente em meus braços, e eu a levava de volta para seu quarto. Quando chovia, ela vinha para mim e ficava ainda mais perto, porque tinha medo de trovões. Eu não me importava com meteorologia, porque ela era meu sol.
Uma vez, depois de sair da "salinha da tristeza", ela contou-me que não sabia porque aquilo acontecia com ela. Porque ela precisava ficar entre tantas máquinas, e depois sair de lá com a pior dor do mundo, e porque seu cabelo caía conforme o tempo passava e a dor aumentava. Ela não sabia porque tudo aquilo deixava sua pele com uma cor que ela não conhecia, porque não tinha na sua caixinha de lápis.
Certa noite abri meus olhos e a vi parada ali, junto a meu leito. Ela sorria pra mim, e em suas mãos tinha a velha boneca que carregava consigo desde o primeiro dia no hospital. Entregou-me o brinquedo e disse que iriam visitá-la, que ela iria embora naquela noite. Eu estava sonolenta e não entendi bem, lembro de seus braços pequenos e magros ao redor de meu pescoço e o perfume que invadia minhas sensações. Ela puxou minhas mãos para perto de si, depois acariciou meu rosto. Docemente, repetiu o que eu sempre dizia pra ela: "Esperarei o dia nascer pra te ver de novo, mas, até lá, sentirei sua falta. Te amo, passarinho azul".
E saiu do quarto, enquanto eu adormecia outra vez, abraçada em sua boneca.